Os departamentos jurídicos de grandes empresas que o digam: onde há vontade, pode haver uma ação judicial. Eles são obrigados a conviver com certa regularidade com ações judiciais inusitadas, não só pelo valor do pedido de indenização como pela causa, quase sempre, desprovida de fundamento. Ainda que a maioria das pessoas prefiram usar o Serviço de Atendimento ao Consumidor para reclamar de um produto ou de um serviço, há aquelas que fazem ligação direta com o poder judiciário. Para as empresas, isso é sinônimo de dor de cabeça, gastos e muitas horas perdidas.
“O litígio é o direito legal básico que garante a cada corporação sua década no tribunal” (David Porter).
Apoiadas na incerteza das leis, muitas ações encontram caminho relativamente fácil no labirinto jurídico. Em 2014, nos Estados Unidos, um homem processou o McDonald’s em US$ 1,5 milhão porque recebeu só um guardanapo com a refeição.
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Após acalorada discussão com o gerente, ele ganhou alguns hambúrgueres, mas foi à Justiça alegando que o incidente o deixou emocionalmente angustiado e incapaz de trabalhar. Antes de entrar com essa ação, ele havia processado o Jack in the Box duas vezes, sem êxito. Também não conseguiu nada do McDonald’s – e o nome dele foi parar numa lista que o proibiu de entrar com novas ações por um tempo.
No Brasil, convencionou-se chamar esse tipo de ação de frívola, aquela em que a fundamentação possui baixa probabilidade de êxito, mas, ainda assim, o autor decide ir a juízo, mesmo que seu direito seja frágil e de difícil acolhida. A ação, vale ressaltar, é um instituto ligado ao direito processual constitucional, que pode ser vista, a princípio, como uma garantia de acesso aos órgãos jurisdicionais.
“O fim do Direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade” (John Locke).
O anseio de obrigar o agente causador do dano a repará-lo se inspira nos mais estritos princípios de justiça, principalmente quando o prejuízo foi causado intencionalmente. Porém, o grande número de ações que são mero dissabor do cotidiano sobrecarrega e banaliza o sistema judiciário. Em um mundo ideal, o sistema legal descartaria os processos infundados sem exigir que um réu gastasse tempo e dinheiro. Isso, porém, não acontece. As empresas sabem que não podem ignorar uma ação, mesmo que baseada apenas num comportamento vingativo e rancoroso. É preciso acompanhá-la até que um juiz analise o mérito da ação.
Enquanto isso, nós, advogados do setor empresarial, coçamos a cabeça a cada ação que desafia o senso comum de Justiça. E isso se justifica, pois o céu é o limite para algumas demandas, como a que chegou à Nike, nos Estados Unidos, onde um homem abriu um processo de US$ 100 milhões contra a empresa. O argumento dele era de que seu tênis, um Air Jordan, deveria vir com um aviso de que poderia ser usado como arma perigosa. Ele havia pisado na cara de um outro homem, que tentou fugir de um motel sem pagar a conta. O próprio autor da ação atuou como advogado, aparecendo, por vídeo, de uma prisão nas audiências. Ele não ganhou a causa.
Nelson Wilians é CEO da Nelson Wilians Advogados.
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Artigo publicado na edição 96, de abril de 2022.
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