O tempo é objeto de fantasias e especulações humanas desde que a história passou a ser registrada. Seja como tema de investigação científica, inspiração para a criação artística ou de reverência religiosa, entender o que são passado, presente e futuro, suas relações e mesmo como sentimos sua passagem sempre fez mentes brilhantes trabalharem em busca de respostas.
Do ponto de vista médico, condições como depressão e ansiedade afetam diretamente o sistema cerebral – e tendem a sentir o tempo arrastar-se. Ao passo que em estados de euforia, o tempo parece voar. A covid-19 fez com que isso ficasse mais evidente, e essa conclusão é relatada no estudo “Time experience during social distancing: A longitudinal study during the first months of COVID-19 pandemic in Brazil” (“Experiência temporal durante o distanciamento social: um estudo longitudinal durante os primeiros meses da pandemia de COVID-19 no Brasil”, em tradução livre), publicado no portal da revista Science Advances.
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A pesquisa foi realizada pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e pelo Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein. Segundo os pesquisadores, as pessoas entrevistadas responderam questionários por 15 semanas a partir de 6 de maio de 2020 (60 dias após o início do distanciamento social no Brasil). O estudo mostrou que a consciência do tempo – o sentimento no início era de um tempo expandido, dilatado (que levou alguns respondentes a se identificarem com declarações do tipo “Eu me sinto frequentemente entediado”) – sofreu forte influência de fatores psicológicos, como solidão, estresse e emoções positivas. As emoções são, sim, um aspecto crucial de como o tempo é sentido, diz o estudo.
A pesquisa destaca estudos semelhantes feitos na França, na Itália e no Reino Unido, lugares onde se observou que os respondentes, nos dois primeiros países, relataram principalmente a sensação de passagem mais lenta do tempo, enquanto no terceiro houve uma divisão mais equilibrada entre quem sentia o tempo mais arrastado ou mais acelerado. Nos três, no entanto, os relatos apontam altos níveis de estresse, tédio, tristeza, depressão e insatisfação com as interações sociais.
Além disso, essa sensação de tempo passando mais lentamente foi sentida em pessoas mais jovens: o efeito é mais perceptível, segundo o estudo, em pessoas de até 40 anos de idade – a partir daí, a idade não mais se mostrava um fator relevante. A conclusão a que chegaram os pesquisadores foi de que houve uma distorção relevante da percepção da passagem do tempo durante o distanciamento social, sendo que a sensação de tempo dilatado esteve mais associada a emoções e sensações de isolamento, enquanto a de tempo pressionado (“Sinto que o tempo está acabando” foi a declaração comum entre os que responderam nesse sentido) foi mais associada a estresse.
A pesquisa abre espaço para trazer à discussão, por exemplo, os dados sobre saúde mental que se tem registrado após mais de dois anos de pandemia. Um, recente, divulgado pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), mostrou um aumento de 25% na prevalência global de ansiedade e depressão no mundo todo. No Brasil, dados de 2021 da Previdência Social mostraram que mais de 75 mil brasileiros foram afastados do trabalho com quadros de depressão (que representa cerca de 37% das licenças médicas pedidas por transtorno mental no país).
Situações como a que mundo todo sofreu com a pandemia e suas inúmeras restrições afetou o modo como cada um de nós olhará para o mundo a partir de agora. Dois anos vividos em semi-isolamento certamente têm um peso. Buscar ajuda, no caso dos que sofrem qualquer das condições apontadas no estudo como ligadas à percepção distorcida da passagem temporal, é fundamental. A pandemia ainda não acabou, mas já avançamos um longo caminho rumo a uma certa “normalização” da vida e da realidade. Que em breve possamos deixar a covid-19 e seus trágicos efeitos no passado, focar nossas forças no presente e estender um olhar otimista ao futuro.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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