Minha jornada: “Eu já era a CEO das pessoas, e não dos números, antes disso virar moda”

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Ligia Costa, CEO da fabricante de lingerie Liz, na fábrica da empresa em Jundiaí, onde passa alguns dias da semana

Quando o empresário Carlos Rosset assumiu a frente da Liz, a empresa era uma fabricante de meias de lycra dentro do Grupo Rosset, um dos maiores nomes da indústria têxtil da América Latina, fundado por seu pai em 1939, e hoje dono das marcas Valisere, Cia. Marítima e Triumph.  Em 1995, a empresa se transformou em uma fabricante de lingerie e passou a ocupar uma posição inovadora. Foi uma das primeiras a apostar em lingerie confortável voltada para mulheres jovens, em um mercado onde peças de rendas e cheias de estruturas dominavam as vitrines. Hoje, produz cerca de 200 mil peças por mês e está presente em 30 países.

Toda essa história tem a ver com Ligia Buonamici Costa,  CEO da Liz, que chegou na empresa em 1997 como gerente de produto. “Era uma fábrica de meias, mas eles queriam fazer lingerie. Não tinha nem sala de produto, como eu iria desenvolver alguma coisa?”

Foi justamente por conta desse cenário que a gerente teve a liberdade que precisava. Começou a pesquisar fios, tecidos e estruturas maleáveis que não marcassem o corpo e que trouxessem bem-estar para as mulheres – e não o incômodo que até então era visto como algo normal em peças íntimas. “Viajava o mundo para entender o que poderia fazer de novo. Tanto que fui em quem trouxe para o Brasil a ideia dos bojos flexíveis que hoje fazem parte dos sutiãs vendidos aqui. Antes deles, era uma estrutura toda costurada e ferrinhos.”

Liderança para pessoas

A trajetória de Ligia se mistura com a da Liz em diversos pontos. Viajar foi o que a fez escolher a faculdade de Letras, em partes para aproveitar seus conhecimentos de inglês e aprender outras línguas in loco. “Eu estava me planejando para montar uma escola de idiomas e só aceitei o primeiro convite para trabalhar em uma empresa (a Del Rio, outra fabricante de moda íntima) quando o dono, que também se chamava Carlos, me disse que eu iria viajar muito. Foi aí que ele me conquistou. E é uma das coisas que mais gosto de fazer na vida.”

Essas viagens podem ser para Taiwan, onde vai buscar novos maquinários, ou para a fábrica da empresa, em Jundiaí (SP), onde passa alguns dias por mês e se aproxima dos processos e funcionários. “Eu percebi que, quanto mais sucesso eu tivesse, mais poderia ajudar outras pessoas que trabalhavam comigo, e isso foi um turning point na minha carreira”, diz a CEO, que se orgulha de ter a capacidade de identificar talentos e investir neles. “Eu sou das pessoas e dos produtos, nunca fui dos números.”

“Não tenho uma formação clássica”

Esse argumento, de que não é a “mulher das finanças”, Ligia usou na conversa com o fundador da empresa em 2016, quando Carlos Rosset achou que era hora de passar o bastão. “Ele me disse que eu devia assumir pois sentia que estava ‘me atrapalhando’ e já era hora dele ir para o conselho, e eu disse que não ia ser aquela pessoa focada na contabilidade.”

No meio da nossa entrevista, o patrão bate na porta e, falando italiano, chama a executiva para encontrar um visitante do escritório. Ela responde no mesmo idioma e os dois começam a fazer piadas. “É sempre assim: a gente discorda, discute, cada um defende seu ponto de vista, mas nos entendemos no final. Isso é algo que me estimula a continuar aqui.”

Essa troca com o chefe também é um aprendizado. E Ligia se define como alguém que está constantemente em busca de conhecimentos em áreas diversas – seja por gosto, seja para preencher lacunas que aparecem ao longo da carreira. “Não tenho uma formação clássica de executivo, então fui estudar tudo o que existe em termos de gestão, kanban, just in time, participo de todos os eventos sobre inovação, fui fazer curso de finanças para não financeiros. Sou muito curiosa e com isso fui ocupando espaços”.

Quando chegou para nossa conversa no escritório da Liz no bairro do Itaim, em São Paulo, Ligia vestia um terninho em tecido fluido e tênis. Mais tarde, os sapatos confortáveis fizeram a diferença quando convidou a equipe da Forbes para caminhar até a loja da marca, a algumas quadras do escritório. Lá, explicou ao vivo os detalhes sobre os tecidos, estruturas e modelagens criadas com essa ideia e fez uma série de perguntas para as vendedoras, que pareciam íntimas da executiva, chamando-as pelo nome. “Eu tenho tudo a ver com o que a gente faz. Preciso de conforto e quero que outras mulheres também tenham essa possibilidade.”

Crise veio com a maternidade

Olhando de fora, quase tudo parece confortável no dia a dia de Ligia Buonamici Costa. Uma carreira no mercado que domina, 25 anos na mesma empresa, as viagens a trabalho que adora, um casamento de 32 anos que gerou 2 filhos. Ao voltar no tempo, porém, ela conta que foi justamente essa combinação que gerou uma das maiores dificuldades pelas quais passou. “Aos 33 anos tive um burnout, uma época em que nem existia esse termo.”

Quando seu primeiro filho fez três anos e ela precisou passar 20 dias fora do país em uma viagem de trabalho, Ligia teve uma crise que o pediatra que cuidava do bebê classificou como stress profundo. “Amo trabalhar e nunca quis parar, mas sempre quis ser mãe, acho que é a coisa mais linda da vida. E queria ser a mãe perfeita, acordar às 5h da manhã para ir à feira e comprar os legumes mais frescos e ter toda a rotina do bebê em planilhas.”

Mas chegou um momento em que seu corpo todo doía, a visão estava turva, ela mal conseguia ficar de pé em alguns momentos. “Descobri que minha musculatura estava tão tensa que gerava dores em tudo. E aí fui buscar uma série de tratamentos e fazer terapia, o que me ajudou a entender que é ok não ser aquela mãe que busca na escola e faz o bolinho da tarde, mas que se dedica, estimula, brinca, questiona. E hoje tenho filhos independentes, que aprenderam cedo a se virar e sou grata por isso.”

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