Van Gogh e café: fazenda quer ser tão boa quanto uma obra do pintor

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Reprodução/Museu Kroller Muller

“O Terraço do Café na Place du Forum, Arles, à Noite” é apenas uma das obras de Van Gogh que possui alguma referência ao café

A imagem acima é uma obra de Vincent Van Gogh, pintada em 1888. Chama-se “O Terraço do Café na Place du Forum, Arles, à Noite” e está entre outras quase 300 obras da exposição “Beyond Van Gogh – Uma Experiência Imersiva”, projeto global que no Brasil acontece em São Paulo até 3 de julho e depois segue para Brasília. Seu público ao redor do mundo já chegou a 10 milhões de pessoas .

Em vez de tintas e telas, quem percorre o espaço de 2.200 metros quadrados das instalações montadas em um shopping da capital se vê em meio a imagens projetadas em 3D por 40 projetores. São 80 milhões de pixels para dar conta de uma outra roupagem às pinturas geniais do impressionista holandês que revolucionou uma época.

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A ideia de mostrar o que é o café de um modo diferente, assim como acontece para as obras de Van Gogh, também seduziu um produtor rural. É de uma fazenda no interior paulista que sai a bebida servida em uma cafeteria montada para a exposição, o Café Van Gogh, um projeto para mostrar que a produção desse grão também envolve arte, embora de uma outra natureza.

“A exposição promove o encontro dessas duas artes: uma experiência visual e outra sensorial”, conta Gabriel Mendes, 24 anos, um dos sócios da marca de café Vô Nino. De certa forma, para Mendes “a bebida servida também é artística, pois vem de grãos de café selecionados à mão, descansados em terreiros suspensos por 40 dias até chegar na tulha para então serem torrados.”

O café servido na exposição é produzido na fazenda São Caetano, de 350 hectares, em Tambaú, a 260 quilômetros da capital. O município nasceu como povoado em 1886, época em que Van Gogh ainda era vivo. São deste ano duas de suas obras memoráveis: “Caveira com Cigarro Aceso”, que quebrava padrões da época, e “Guinguette de Montmartre”, justamente um café e sua clientela.

A bebida servida na exposição imersiva, assim como ocorre com as obras de arte, vem com uma roupagem para seduzir o público da cidade. Vai de um simples drink, a cafés de preparações diversas e aulas teatralizadas que ocorrem justamente na cafeteria. A ideia é ligar esses dois mundos e construir uma ponte para as cidades afeitas a novas sensações e experiências.

A fazenda não está sozinha nesse movimento de aproximação com o público urbano. Os apreciadores de cafés especiais seguem uma tendência global para produtos premium, como ocorre para os vinhos, os azeites e as cachaças no país. E não são apenas as grandes fazendas e marcas que engrossam esse movimento: pequenas propriedades familiares também estão entrando nessa onda da sofisticação da bebida.

A marca Nino, nome dado à produção de grãos especiais da São Caetano, é um desses exemplos. A produção do grão da espécie arábica toma 60 hectares da propriedade. Por safra, são produzidas cerca de 2.000 sacas de 60 quilos. A avaliação da Vô Nino está em 82 pontos, de acordo com a SCA (Specialty Coffee Association), entidade global que começou a desenvolver nos anos 1970 uma metodologia de análise do grão.

Explicando: em uma escala que vai de zero a 100, são considerados especiais os lotes de grãos avaliados em 11 atributos, entre eles doçura, acidez, aroma e sabor. Para ser um café especial ele deve receber notas totais acima de 80 pontos. Na exposição de São Paulo, Mendes colocou lotes avaliados em 84,5 pontos, beirando o reconhecimento como “excelente”.

Para Mendes e seu sócio Ricardo Isnard, 32 anos, o evento é uma oportunidade única na captura de um cliente fidelizado. “Queremos estabelecer essa importância de tomar o café especial, assim como vem se criando há 10 anos a importância de você tomar uma cerveja puro malte e artesanal”, pontua Isnard.

Como a soja salvou o café Vô Nino

Engenheiro mecânico com MBA em Agribusiness pela Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”), Isnard criou a marca Vô Nino em 2015, após reestruturar a fazenda fundada por seu avô, Agostinho Deperon, na década de 1970. Naquela época, a área de café era de 380 hectares e rendia até 15.000 sacas de café por safra. Mas o espaço foi dividido entre herdeiros da propriedade após a morte de Deperon, em 2012.

“Depois da morte dele, a minha mãe, que não era uma pessoa da atividade – ela é dentista –, decidiu estruturar a gestão das atividades”, conta Isnard. Nessa época, Isnard trabalhava na multinacional Syngenta, uma das maiores da área de defensivos agrícolas. Ele conta que fez uma proposta à mãe: entrar no negócio. “Porque senão ela venderia a fazenda.”

Com uma área muito menor que a original, Isnard não teve dúvida em mudar o foco do negócio para cafés premium, em vez da produção em larga escala. Em meados de 2018, tomou duas decisões como estratégia de crescimento. E arriscou tudo por elas.

A primeira foi a adequação de 200 hectares da fazenda para a produção de grãos. “A escolha da soja não é à toa, pois ela é uma cultura que faz sinergia com o ambiente, inserindo nitrogênio no solo e melhorando a formação de palhada”, explica Isnard. Produzindo 13 mil sacas anualmente, o lucro com a venda da oleaginosa é todo revertido na melhoria da produção do café.

A integração entre os dois negócios tem funcionado bem, segundo o empresário. Um dos exemplos é que agora a fazenda investe na formação de mais 12 hectares para cafeicultura no solo melhorado pela soja.

O encontro de Vô Nino com Van Gogh

Divulgação

Primos, Ricardo Isnard e Gabriel Mendes se dividem para tocar as diferentes frentes do café Vô Nino

A segunda adequação do projeto de Isnard dependia de um fator externo: um sócio que fizesse a diferença no negócio. Mendes, primo de Isnard, foi o caminho natural, mas não pelo parentesco.

Na época, Mendes era da equipe de marketing de ruminantes da DSM, multinacional do setor de nutrição e saúde animal, dona de marcas fortes no mercado. Era o que Isnard queria: ter uma marca forte. “O café está inserido de forma natural no dia a dia das pessoas, não é um produto novo”, diz Mendes. “Então, a gente começou a idealizar uma forma diferente de trazer o café para o mercado, inovando um produto antigo.”

Café ainda é uma bebida identificada com um público mais maduro. Segundo a pesquisa Inteligência Setorial, do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), 40% dos consumidores de café no Brasil, o equivalente a cerca de 80 milhões de pessoas, possuem mais de 40 anos. Mas os cafés especiais e suas inúmeras possibilidades vêm atraindo outra clientela também: os jovens.

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Mendes então arrumou as malas em 2020 e se mudou de Campinas (SP) para a capital, justamente para prospectar público para os grãos da fazenda São Caetano. É na cidade de São Paulo que está boa parte das melhores cafeterias do país. A tática foi fazer parcerias com influenciadores jovens e consumidores ligados ao mundo das artes e esportes. A participação na exposição sobre Van Gogh nasceu dessa estratégia.

“Comecei a estudar o consumo de café nesses meios”, conta Mendes, que passou a explicar a quem cruzasse seu caminho as diferenças entre o grão convencional e os especiais. Em busca de jovens conectados à marca Vô Nino, Mendes e Isnard fizeram parcerias com o skatista curitibano Pietro Vieira, o grafiteiro Fábio Vitali, que também é de Campinas, e o chef de cozinha Pedro Henrique Mirabile, criador de pratos inusitados, como um risoto de funghi que leva café na receita.

Foi a partir dessa aproximação com um público mais jovem, entre 20 e 35 anos, que o nome da marca entrou na lista dos possíveis fornecedores oficiais do Café Van Gogh na exposição e levou a melhor. Em busca desse público, a marca já pode ser encontrada em endereços como a adega Emporium São Paulo.

Isnard e Mendes também não descartam a abertura de uma loja própria na cidade, mas por ora apostam em aumentar a visibilidade e a produção antes desse passo. “Estamos nessa fase em que precisamos ser vistos para concretizarmos todas as nossas ideias”, afirma Isnard.

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