Carne para a China: entenda o que está acontecendo

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Paulo Whitaker/Reuters

Suspensões de exportação de carne bovina pela China têm afetado frigoríficos brasileiros

No dia 23 de março, a GACC (Administração de Alfandegas da China) anunciou a suspensão das importações de carne bovina da unidade da JBS de Mozarlândia (GO), que até então era a maior unidade processadora de carne bovina para a China no Brasil. No ano passado, as exportações de carnes bovinas brasileiras para a China foram suspensas por praticamente três meses após dois casos comprovados de EEB (encefalopatia espongiforme bovina) na sua verão atípica. Ou como costumo a chamar, a vaca louca falsa, já que ela não é ocasionada por contaminação, portanto não apresentando riscos ao ser humano.

A suspensão de Mozarlândia logo veio acompanhada de outras ações similares que levaram à suspensão de outras seis unidades processadoras de diferentes indústrias, como a Masterboi de São Geraldo do Araguaia (PA), a Naturafrig de Pirapozinho (SP), três unidades da Marfrig e a JBR de Barra do Garças (MT).

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O movimento veio na esteira do melhor trimestre registrado para o volume de carne bovina brasileira exportada na história. No primeiro trimestre de 2022, os embarques cresceram 36% em comparação ao mesmo período no ano passado. O argumento destacado é o que chama a atenção. Para justificar as suspensões, a China alega que há presença de traços de coronavírus em embalagens, e não diretamente no produto, de carne bovina brasileira exportada para lá. O fato não é novo, mas certamente configura uma nova forma de conduzir as relações comerciais, afinal de contas não há prova direta de que a contaminação tem ocorrido por conta das unidades processadoras e nem se os traços virais teriam potencial para gerar infecção humana — vale lembrar que estudos indicam que o coronavírus não sobrevive mais do que 72 horas em superfícies. Então, essas medidas são justificáveis?

Os frigoríficos consultados dizem não ter muitas respostas para explicar esse movimento, uma vez que o argumento dos comunicados do GACC não traz consigo um suporte técnico claro. Além disso, há também o desafio bilateral de interpretação do acordo, que é ocasionado pela grande distância existente entre as raízes dos idiomas dos países envolvidos, o que traz grande insegurança às negociações e os investimentos realizados pelas empresas para adaptar os frigoríficos às exigências dos chineses.

As regiões onde se localizam as plantas processadoras, normalmente, correspondem ao interior do país, o que prejudica a situação social de emprego. Muitas vezes, milhares de habitantes locais são empregados pelas unidades locais que podem ter que diminuir o quadro de funcionários na ausência de um cliente importante por muito tempo. E essa preocupação já paira no ar.

Agora, a esperança diária do setor é costurar a liberação destas plantas, de modo que cada um tenta se virar para retomar as certificações e embarques. sem muitos esclarecimentos sobre ações concretas a adotar ou exatamente onde está o erro. A China, como já mostrou, compra em ondas. Mas como se não bastasse comprar ou não comprar, o que o Brasil tem experimentado é uma relação um tanto quanto temperamental dadas as habilitações das plantas para livre negociação.

Todos esse imbróglio traz à tona a consequência da grande exposição a um cliente único: o aumento da volatilidade dos preços. Desde que começou a exportar carne bovina, o Brasil se vê em situações semelhantes. Antes com os judeus, depois com os egípcio, com os russos e agora com a China. A diferença dessa vez é que nós nunca exportamos uma fatia tão generosa da nossa produção para um cliente apenas. Em 2021, foi 13% de tudo que produzimos. Já em 2020, 14,5%.

E antes que os apressados critiquem o produtor e a indústria, acusando-os de exportar carne bovina e causar a alta dos preços domesticamente, é importante destacarmos que foi no mercado externo que o setor encontrou alento para a derrocada do consumo per capita de carne bovina que se iniciou em 2014, combinada a um estrondoso aumento dos custos produtivos que estão presentes globalmente.

Lygia Pimentel é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Atualmente é CEO da AgriFatto. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.

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