Os modernistas e a culinária

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Galerie Percier

A artista modernista Tarsila do Amaral

A Semana de Arte Moderna, cujo centenário está sendo comemorado no país, reuniu artistas e escritores que buscavam maneiras de romper com os parâmetros que vigoravam nas artes em geral.

Essa manifestação artística, política e cultural atraiu, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal de São Paulo, jovens contestadores que deram um novo rumo ao próprio Brasil. Mas o que a Semana de Arte Moderna tem a ver com a gastronomia? A culinária reflete – e sempre refletiu – a identidade
brasileira. E os principais protagonistas do modernismo têm histórias interessantes sobre a arte de comer e de cozinhar.

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Mário e seus cardápios

O genial escritor Mário de Andrade montou uma curiosa coleção de cardápios entre 1915 e 1940. Esses 22 menus e um marcador de lugar à mesa foram preservados e encontram-se no Fundo Mário de Andrade, parte do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

Os cardápios são reflexo da paixão de Mário pelo estudo da cultura popular e se transformaram em testemunhas de sua vida pessoal e profissional, pois, quando decodificamos seu conteúdo, entendemos a origem, normas e gostos alimentares da elite da época.

Esse lado gourmet e a atração pela culinária brasileira ultrapassavam os cinco sentidos, transformando-se em objeto de estudo do escritor, que queria conhecer e “mastigar” o Brasil, com suas tradições e as infl uências estrangeiras formando a mistura essencial brasileira. Duas das obras mais conhecidas em que o escritor fez uso de pratos brasileiros são o clássico “Macunaíma” e o inacabado “O Banquete”, publicado postumamente.

Tarsila, rãs e Abaporu

Uma das correntes mais marcantes da geração modernista é o Movimento Antropofágico, que nasceu durante um jantar. A principal iguaria servida foi uma porção de rãs. A pintora Tarsila do Amaral, que acompanhava o então marido, Oswald de Andrade, ao vê-las, fez uma associação com pequenos corpos humanos e levantou uma indagação se, naquele momento, eles estariam sendo quase antropófagos.

A metáfora antropofágica foi inspirada em um ritual dos índios tupinambás. Eles acreditavam que devorar o inimigo fazia com que absorvessem suas qualidades. Os modernistas falam de uma fome simbólica, que engoliria outras culturas, eliminando o que vinha de fora e absorvendo elementos brasileiros para fazer nascer uma cultura nacional.

Dizem que, depois do jantar com rãs e inspirada por esse ideal antropofágico, Tarsila do Amaral pintou a obra-prima considerada o maior símbolo do movimento:
“Abaporu”, que signifi ca “o homem que come”.

E se Mário de Andrade guardava cardápios, Oswald de Andrade era conhecido por promover aventuras gastronômicas e banquetes emblemáticos. Ele possuía um caderno de receitas em que registrou suas comidas preferidas: vatapá, feijoada e quindim. O interesse destes e de outros artistas, que foram a vanguarda no início do século passado e cujas obras continuam sendo cultuadas até hoje, mostra quanto a culinária é um aspecto importante da cultura brasileira.

Carla Bolla é restauratrice do La Tambouille, em São Paulo.

Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem, necessariamente, a opinião de Forbes Brasil e de seus editores.

Artigo publicado na edição 95 da revista Forbes, em março de 2022.

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