A criptomoeda terraUSD (UST), uma stablecoin desenvolvida para manter paridade com o dólar e que tem uma capitalização de mercado de US$ 16 bilhões (R$ 81,90 bilhões), despencou nas últimas 24 horas.
O preço do criptoativo caiu abaixo de US$ 0,65 (R$ 3,33). Em outras palavras, o terraUSD fracassou em sua única missão: manter a paridade com o dólar.
O episódio lembra a vez em que o Reserve Primary Fund, fundo mútuo do mercado monetário com US$ 68 bilhões (R$ 348 milhões) em ativos, caiu de US$ 1,00 (R$ 5,12) por ação para US$ 0,97 (R$ 4,96) durante a crise financeira de 2008, depois que o Lehman Brothers pediu falência.
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Na época, o colapso do banco causou pânico entre os investidores de fundos do mercado monetário, que correram para resgatar suas ações. Esses fundos eram considerados tão seguros quanto as contas de poupança seguradas pelo Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).
O terraUSD caiu no mesmo dia em que o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, publicou seu relatório semestral de estabilidade financeira, no qual as stablecoins foram destaque. O documento observou como criptomoedas desse tipo podem estar sujeitas a liquidações de fundos do mercado monetário, especialmente durante períodos de estresse quando os ativos que apoiam esses tokens podem perder liquidez.
O que exatamente aconteceu com o terraUSD?
É importante entender o que torna essa criptomoeda única (e perigosa) no mundo das stablecoins: o terraUSD é uma stablecoin algorítmica, o que significa que ela opera de maneira diferente da grande maioria das criptos.
As stablecoins mais populares, como tether (US$ 82 bilhões de valor de mercado) e USD Coin (US$ 50 bilhões), são apoiadas por ativos, como dólares fiduciários em uma conta bancária, tesouros ou títulos de dívida de curto prazo.
Essa abordagem também é perigosa, já que os emissores às vezes não são claros sobre a divisão exata de suas reservas. A tether tem sido alvo de críticas por isso, já que os observadores estão preocupados com o risco de ativos não terem liquidez suficiente para resgatar os mais de US$ 100 bilhões (R$ 511,85 bilhões) em criptoativos para os quais eles servem de reserva.
O que é Luna?
Em vez de ser lastreada por ativos tangíveis em um banco ou custodiante, o terraUSD usa uma configuração complicada com outro token, o Luna, para manter sua indexação.
O Luna é um token nativo da blockchain Luna, uma plataforma descentralizada como o Ethereum que pode executar vários tipos de aplicações, como programas financeiros descentralizados (negociação e empréstimo) e suporte a tokens não fungíveis (NFTs). Cada terraUSD deve valer o equivalente a US$ 1 em Luna – o token atualmente é negociado a US$ 30,00 (R$ 153,00).
É claro que os preços flutuam, assim como as cotações das moedas fiduciárias: a taxa de câmbio de um dólar se ajusta diariamente. No caso do terraUSD, o Luna deveria funcionar como um mecanismo estabilizador para levar a cotação de volta a US$ 1 quando houvesse flutuações.
Quando o terraUSD cai abaixo de US$ 1, há uma oportunidade de comprar um TerraUSD por, digamos, US$ 0,98 (R$ 5,02) e depois trocá-lo por US$ 1,00 em LUNA. À medida que o volume dessas negociações cresce, a criptomoeda se valoriza e o preço se estabiliza novamente.
O sistema parece elegante no papel e inteligente do ponto de vista da engenharia financeira, mas ainda não foi comprovado. Houve várias tentativas malsucedidas no passado de criar uma stablecoin algorítmica.
Há cerca de um ano, um token de backup da stablecoin iron, chamado Titan, caiu para zero em meio à incerteza do mercado, um episódio que foi chamado pela equipe por trás do projeto de “a primeira corrida aos bancos de criptomoedas em grande escala do mundo”.
Parece que a Luna tentou aprender com essas falhas e teme que alguns compradores possam se preocupar com a cotação. Por isso, a rede também comprou mais de US$ 3 bilhões (R$ 15,36 bilhões) em bitcoin e avalanche para servirem como um mecanismo de estabilização adicional para o protocolo.
No final de semana passado, o terraUSD começou a se desviar de US$ 1,00, quando a incerteza do cenário macroeconômico aumentou por causa do reajuste da taxa de juros dos Estados Unidos e a preocupação com os números de inflação de abril – quedas de dois dígitos atingiram a maioria das criptomoedas nos últimos dias.
Houve alegações de que um ator do mercado estava tentando inundar o mercado com terraUSD para atacar o protocolo, e um indivíduo chegou a operar vendido uma posição de US$ 10 milhões (R$ 51,19 milhões).
Enquanto tudo isso acontecia, mais de US$ 5 bilhões em terraUSD estavam sendo drenados do Anchor Protocol, um aplicativo de empréstimo DeFi que roda na blockchain Luna. O valor representa cerca de um terço de toda a capitalização de mercado da criptomoeda, o que pode ser visto como um voto de desconfiança no ativo.
O colapso do terraUSD estava prestes a acontecer em algum momento de qualquer forma. Os participantes do protocolo estavam recebendo um retorno insustentável de 20%, o que é anormalmente alto, mesmo para criptomoedas. Mais cedo ou mais tarde, tudo iria desmoronar.
A bola de neve começou a rolar no fim de semana e não parou mesmo quando a equipe Luna usou todos os bitcoins de que dispunha, assim como centenas de milhões de dólares em terraUSD em um esforço para garantir a liquidez e trazer as coisas de volta ao equilíbrio. Isso pode nunca acontecer, e mesmo se a criptomoeda se recupere, os danos à reputação do projeto podem ser grandes demais para serem superados.
Se isso não bastasse, os danos colaterais foram extensos. A Luna viu sua capitalização de mercado cair de mais de US$ 30 bilhões (R$ 153,56 bilhões) para US$ 10 bilhões (R$ 51,19 bilhões) nos últimos cinco dias, e o preço do token recuou 64% nesse período. Além disso, quando a equipe do projeto inundou o mercado com bitcoin em um esforço para proteger o preço, acabou acrescentando mais pressão de venda sobre a criptomoeda, contribuindo para sua queda abaixo de US$ 30.000 pela primeira vez desde julho passado.
No total, o mercado de criptoativos perdeu cerca de US$ 300 bilhões nos últimos dias.
Se há um lado positivo nesta história, pode ser o fato de que as outras grandes stablecoins, como o tether (USDT) e o USD coin (USDC), conseguiram evitar danos. No entanto, à medida que essas criptomoedas crescem, é justo supor que o escrutínio regulatório aumentará à luz desses acontecimentos.
É sensato se perguntar se ou quando haverá uma stablecoin algorítmica bem-sucedida. O terraUSD se tornou popular em grande parte por causa da reação negativa dos investidores em criptomoedas à maneira centralizada com que o tether e o USD coin operam, que eles veem como contrária aos ideais das criptomoedas.
Claro, a descentralização é um espectro, então talvez haja um meio termo entre tokens puramente algorítmicos e o modelo descentralizado. Independentemente disso, nenhuma criptomoeda será bem-sucedida até que ela possa provar sua viabilidade em tempos de estresse do mercado, um desafio que o setor financeiro tradicional também enfrenta hoje.
O post Stablecoin instável: como a queda das criptomoedas levou o terraUSD abaixo de U$1 apareceu primeiro em Forbes Brasil.