A realidade digital em que o mundo se encontra vai exigir aprendizado contínuo. Não poderia ser diferente: desde o fim do século 20 vemos avanços tecnológicos que exigem tanto a reaproximação de coisas que já conhecíamos como a adaptação a práticas e hábitos novos. E sempre poderemos aprender mais e mais, graças à neuroplasticidade de nossos cérebros.
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O termo “neuroplasticidade” soa como algo tirado da ficção científica, mas na realidade é uma área de estudos que vem crescendo. Trata-se da capacidade do sistema nervoso de reorganizar sua estrutura, suas funções ou conexões em resposta a estímulos, internos ou externos. Os neurônios (as células características do cérebro, que se conectam entre si ao receberem tais estímulos) modificam a força e a eficácia de suas conexões, num processo chamado de plasticidade sináptica.
O conhecimento já adquirido sobre o cérebro e seu funcionamento vem desbancando ideias que estavam fixadas sobre sua natureza e seu comportamento – como a de que já nascíamos com um determinado número de neurônios, que apenas decaía ao longo da vida. Um artigo publicado em 2019 na revista especializada Nature, no entanto, apontou a presença de neurônios “imaturos” em tecido cerebral neurologicamente sadio até a nona década de vida.
Manter a força das conexões neuronais é um esforço ligado ao exercitar o cérebro – são os estímulos que põem em ação a plasticidade cerebral. Aprender um novo idioma, por exemplo, estimula as conexões sinápticas – a comunicação entre os neurônios –, que formam assim uma rede neuronal que se fortalece com a prática. Exercícios físicos também ocasionam a formação de novas redes. O mesmo vale para aprender a tocar um instrumento musical, a resolver quebra-cabeças, a cozinhar – a lista de atividades não caberia aqui. Em suma: cada novo desafio a que nos expomos faz com que o cérebro ou fabrique novas redes ou reforce outras, existentes e já enfraquecidas.
No mundo de hoje, já temos de lidar com outros conceitos, práticas e hábitos que pareciam apenas possíveis nos livros de Isaac Asimov ou de Arthur Clarke. Fazer um pagamento, por exemplo, é algo que acontece cada vez mais pelo celular: o papel moeda e os “plásticos” (cartões de crédito e débito) podem se tornar itens de museu em algum futuro não muito distante. A telemedicina é outro bom exemplo: o contato com um médico já não é algo que se faz de forma exclusivamente presencial – partes do atendimento podem ser feitas de modo remoto. E temos de aprender – ou reaprender – a fazer coisas que estávamos há muito acostumados a fazer de um único modo.
A pandemia forçou a que se olhasse para a necessidade de colocar em ação a plasticidade do cérebro. O isolamento social ocasionou aumentos nos casos de depressão e ansiedade, devido ao estresse gerado pelo medo da covid-19, e isso leva tanto à destruição de redes sinápticas como à inibição da formação de outras. Apenas eliminar o estresse, no entanto, não basta para reforçar ou criar novas redes cerebrais: novos estímulos são fundamentais para isso.
Como escreveu o físico e filósofo Thomas Kuhn, não se pode descrever inteiramente o novo com um vocabulário velho: teremos de seguir aprendendo sempre mais, porque a nova realidade de um mundo cada vez mais digital exigirá isso de nós. O estudo da neuroplasticidade pode vir a revelar cada vez mais potencialidades do cérebro, e isso vai nos ajudar a absorver melhor o conhecimento necessário para viver na realidade digital em que já estamos inseridos. O segredo para isso é estimular a atividade cerebral, sempre com novos desafios, e estes sem dúvida não vão faltar no futuro – que já chegou.
Claudio Lottenberg é mestre e doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp). É presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde.
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