“Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz”
O poema Pasárgada, publicado por Manuel Bandeira em 1930, apresenta uma cidade idealizada pelo poeta, onde só há espaço para os prazeres da vida.
Uma pesquisa do Datafolha, publicada no dia 12 de abril, indica que 55% dos moradores da cidade de São Paulo e 59% dos moradores do Rio de Janeiro têm o desejo de mudar de cidade. Em Nova York, 59% dos moradores consideram que suas famílias teriam um futuro melhor se pudessem mudar de cidade.
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Não tenho nenhuma pesquisa formal, porém nas minhas conversas com moradores da pequena Bocaina do Sul, cidade onde nasci, onde tenho uma fazenda e muitos amigos, já ouvi muitos dizerem que têm vontade de mudar para uma cidade maior. Parece que achar que a felicidade está em outro local faz parte da nossa cultura.
Se alguém detesta a cidade onde vive é provável que tome uma decisão e se mude de fato. Porém, grande parte das pessoas que querem mudar de cidade apenas as consideram medianamente desagradáveis. Muitas vezes, elas não gostam de algumas coisas que existem naquela cidade e esquecem de considerar as inúmeras outras coisas que a cidade tem de vantagens.
Os habitantes das grandes cidades costumam reclamar da violência, do trânsito ou da falta de espaço. Já os habitantes das pequenas cidades, da falta de perspectivas de trabalho e da carência de lazer.
A violência é o principal motivo alegado pelos habitantes de São Paulo e do Rio de Janeiro para desejarem mudar. Porém, eles esquecem que a violência também existe e assombra as pequenas cidades.
Eu moro em Florianópolis e durante vários anos viajei todas as semanas para São Paulo. No início dos anos 2000, convivi com várias pessoas que se mudaram para a Ilha de Santa. Todos tinham a ideia de que aqui a vida seria maravilhosa, sem violências, com a possibilidade de ir para a praia todos os finais de semana e livres do terrível trânsito das grandes cidades.
Algum tempo depois, descobriam que cá também tinha violência, trânsito terrível e que raramente iam para a praia. Logo, muitos desistiram do sonho e outros conseguiram se adaptar mesmo descobrindo que este lugar, infelizmente, não é a sonhada Pasárgada.
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Diante dos riscos que a grande mudança de cidade representa e da possibilidade de passar uma vida inteira sem tentar mudar, existe ao menos um caminho intermediário antes de “queimar as pontes”, ou seja, antes de deixar o retorno muito difícil.
Sugiro que você separe ao meio uma folha de papel e escreva em um lado todas as coisas que você não gosta na sua cidade e no outro lado todas as coisas boas que ela lhe oferece.
Tente conversar com pessoas da cidade onde você pretende morar. Peça a elas que sejam muito sinceras dizendo os problemas que você vai encontrar. Depois, mostre sua lista e as pergunte se elas não têm os mesmos problemas que você tem na sua cidade. Mostre o que você gosta e veja se vai encontrar essas mesmas coisas na cidade onde pretende morar.
Se você mora em uma pequena cidade é provável que tenha muitas interações sociais, que você frequente a casa dos seus amigos, talvez você se surpreenda com o quanto isto é incomum nas grandes cidades. Se você gosta de bares e da vida noturna das grandes cidades, pode ficar muito frustrado ao não encontrar isso no interior.
Para quem, depois deste exercício, ainda pretende mudar de cidade, recomendo que, em vez de vender um imóvel na antiga cidade e comprar outro na nova, que tal alugar os imóveis e testar a nova cidade e o novo modo de vida?
Viver em uma cidade é muito diferente do que passar as férias ou alguns dias nela. É preciso ao menos um ano para entender a dinâmica de uma cidade. Somente após a boa experiência de viver na cidade escolhida é que chega a hora de tomar as decisões de longo prazo, como vender o que tem na cidade precedente e comprar na nova.
Algumas pessoas não se contentam apenas em mudar de cidade, querem mudar da país. Eu já vivi um ano em Montreal e um ano em Bruxelas. Claro que essas cidades têm muitas coisas boas e quando chegamos tudo parecia perfeito. Porém, com o tempo, começamos a descobrir que também estes lugares maravilhosos têm seus defeitos. O maestro Tom Jobim dividia o seu tempo de morada entre Nova York e Rio de Janeiro. Um dia resumiu de forma sarcástica seu sentimento: “viver nos Estados Unidos é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom”.
Então, será que não devemos tentar mudar? Um dos maiores riscos que temos é passar toda nossa vida em uma situação mediana sem coragem para tentar mudar os rumos da nossa história. Todos nós temos o direito – ou até, indo mais além, a obrigação – de buscar a própria felicidade. Ainda assim, temos que ter cuidado para não imaginar que a felicidade possa estar longe e que Pasárgada de fato existe.
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Escreve sobre Finanças 50+ quinzenalmente, às quintas-feiras. Instagram: @jurandirsell. E-mail: jurandir@edufinanceira.org.br.
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