Por que o trabalho não pode ser divertido?

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É possível ter diversão no trabalho e com isso obter bons resultados

“Você está se divertindo?”. Nas primeiras vezes que fiz essa pergunta para estagiárias e estagiários da minha empresa, eles me olharam com expressão de espanto. Em geral, não respondiam nada de bate-pronto. Eu insistia, e não entendia por que pareciam confusos diante de uma frase tão clara, simples, objetiva.

Com o tempo descobri que não se tratava da frase. Mas do significado dela no contexto do trabalho. Como assim se divertindo? Qual seria a resposta correta para a fundadora da empresa que os havia contratado? Aquele era o primeiro emprego de algumas das pessoas e o meu questionamento corriqueiro mais parecia uma pegadinha.

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Trabalho é trabalho; diversão é diversão. Essa é uma crença comum. Quantas vezes não cheguei nas redações depois de uma prática revigorante de ioga, bem-humorada e disposta para trabalhar, e sentia que esse estado de espírito não era bem-vindo, muito menos encontrava eco. Brincava com um colega antes de entrar no prédio: “Agora vamos fazer cara de mau humor, de que o dia já começou difícil e de que estamos cansados, para não chamar a atenção”. Uma pena, mas esse é o estereótipo do ambiente corporativo.

Não vou entrar no mérito de se devemos encontrar nosso propósito na vida e, então, trabalhar com ele como se não estivéssemos trabalhando, porque sei que o buraco pode ser muito mais embaixo e o tema mais complexo. Tampouco vou dizer para levarmos ao pé da letra a frase atribuída a Confúcio, que diz “escolha um trabalho que você ame e não terá de trabalhar um único dia de sua vida” porque a realidade – mesmo a melhor delas – é bem mais complicada do que esse conselho fora de contexto pode sugerir.

Meu ponto é outro. É como podemos interpretar a palavra “diversão”. É a respeito da parte – aquela pequena parte – da vida que podemos controlar. A atitude que somos capazes ou escolhemos ter. Como disse outro filósofo, Jean-Paul Sartre: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”.

Divertir-se no trabalho foi uma decisão que tomei há algum tempo. Não foi sempre assim. Houve momentos em que passei perto de acreditar na narrativa de que o trabalho é um mal necessário, onde convivemos com pessoas que, se fosse por vontade própria, não conviveríamos. Um tipo de atividade que pressupõe dissimulação, cálculos prioritariamente interesseiros, dias cinzas e chatos para receber um salário no fim do mês e, finalmente, uma vez por ano, sermos premiados pelas férias. Mas passou rápido e, graças a ajuda de pessoas inspiradoras e de algo em mim que dizia que não precisava ser assim, consegui enxergar uma maneira diferente de viver. E vivê-la, cada vez mais.

Hoje, quando falo para meu time que se divertir no trabalho é prioridade, estou tentando despertar uma atitude interna em cada pessoa, uma escolha de como encarar dias bons e ruins, altos e baixos, desafios que vêm de todos os lados, de fora e de dentro. Não estou prometendo que todos só farão o que gostam – longe disso, até porque não seria possível. Divertir-se da maneira que proponho exige que a gente amadureça, porque a ideia de que se divertir está ligado à lei do mínimo esforço é, acima de tudo, uma visão infantil e romantizada da vida.

A jornalista norte-americana Catherine Price traz em seu livro The power of fun: how to feel alive again (lançado em dezembro de 2021) uma definição de diversão que fez bastante sentido para mim. Baseando-se na própria experiência e em feedbacks e histórias que recebeu de milhares de pessoas ao redor do mundo durante sua pesquisa, ela definiu que esse substantivo é resultado da confluência de três estados psicológicos: playfulness, connection and flow.

Ela explica que fala de playfulness (brincadeira) “no sentido de estar fazendo algo só por fazer, sem se importar muito com o resultado” (numa tradução livre). Essa explicação – que separa o interesse em fazer da expectativa do resultado – clareia um aspecto importante desse conceito.

Aprendi a diferenciar o objetivo do resultado. Meu objetivo num trabalho é fazer o melhor que eu puder, me desenvolver como pessoa por meio daquela atividade, superar minhas limitações, ter um dia que vale a pena. O resultado é outra coisa. Quanto dinheiro vai gerar, se as pessoas vão ou não gostar do que fiz, se os clientes vão ficar satisfeitos e voltarem, se vamos crescer o quanto havíamos planejado. Claro que isso tudo é importante, mas me dedico há anos para não deixar que o resultado tenha o poder de influenciar minha satisfação pessoal. Meu prazer de realizar. De estar onde estou, fazendo a parte que me cabe e aceitando as oportunidades e desafios da vida com disposição para crescer com elas.

A conexão e o flow, que completam o sentido de diversão para Catherine, são conceitos mais fáceis de relacionar ao trabalho. Empatia e curiosidade são dois dos princípios da minha empresa e carregam em si a importância de estabelecer vínculos de confiança, relações prazerosas com as outras pessoas. O flow, por sua vez, é o estado psicológico em que nos pegamos totalmente imersos no momento presente, vivendo aquilo que fazemos com tanta intensidade que não raro perdemos a noção de tempo. Sinto isso principalmente quando estou entrevistando alguém ou escrevendo, partes fundamentais do meu dia a dia.

Se o trabalho me proporciona tudo isso, por que não pode ser divertido? Quem disse que sair da zona de conforto não pode ser encarado com leveza? Por que não podemos achar graça dos nossos erros e quedas, mesmo com toda a seriedade necessária para nos levantar, seguir em frente, fazer diferente? 

Divertir-se no trabalho também não significa achar graça de tudo (não confunda com euforia), não ter dias ruins ou não gostar das pausas. Do fim do expediente. Dos fins de semana. Dos feriados. Das férias (aliás, estou super animada com as minhas). Mas essas reflexões levam a outros temas, que passam por autoconhecimento e equilíbrio. E a vida é tudo isso – e muito mais – junto e misturado, acontecendo o tempo todo. Por isso, a conversa não se esgota e as lacunas e contradições fazem parte, nos levando a camadas mais profundas de reflexão.

Ariane Abdallah é jornalista, autora do livro “De um gole só – a história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo”, co-organizadora do “Fora da Curva 3 – unicórnios e start-ups de sucesso” e fundadora do Atelier de Conteúdo, empresa especializada na produção de livros, artigos e estudos de cultura organizacional. Praticante de ashtanga vinyasa yoga, considera o autoconhecimento a base do empreendedorismo.

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