Fazer “da árvore à barra”, ou Tree to Bar, como está cunhado o modelo de verticalização artesanal da cadeia do cacau: esta foi a receita que salvou o agricultor Ronaldo Santos da falência, 51 anos, dono da fazenda Conjunto Estrela Guia, em Itajuípe (BA). Hoje, ele é uma referência em manejo de lavoura de cacau, na produção de amêndoas premium para marcas de chocolate, entre elas a paulista Dengo, e na fabricação de seus próprios doces.
“Em 2016-2017 aconteceu uma seca muito forte na nossa região, coisa que não tinha acontecido nos 50 anos passados” afirma Santos. “Boa parte dos pés de cacau morreu e a gente não tinha dinheiro para mais nada.” Ele conta que a saída foi um empréstimo de R$ 140 mil, com a última parcela quitada em janeiro deste ano. A tragédia da seca, além de ser uma história de superação, representou um marco definitivo em um negócio de sucesso baseado em agricultura familiar e cacau orgânico certificado pelo IBD, maior certificadora agropecuária da América Latina, e pelos Povos da Floresta, iniciativa do IPAM ( Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) que cria diversos grupos de auto apoio para a troca de experiências entre produtores.
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A fazenda Conjunto Estrela Guia fica no bioma Mata Atlântica, a cerca de 50 quilômetro de Ilhéus e de suas praias de mar menos revolto que nas suas vizinhas. Do total de 90 hectares da propriedade, 70 hectares são de lavouras de cacau, área equivalente a 85 campos de futebol. A produtividade média atual é de 80 arrobas de amêndoas da fruta, por hectare, mas o objetivo é chegar a 100 arrobas.
Santos conta que fez uma escolha na retomada depois da seca, entre produzir castanhas premium ou produzir mais por área plantada. A decisão foi pela qualidade, mas com a quitação do empréstimo, a meta agora é mirar a produtividade – que na comparação com a média do setor já é espetacular. No país, ela está entre 38 arrobas e 40 arrobas por hectare.
Cacau que vem de berço
Comprar a fazenda representou um sonho para a família de Santos. “Nós viemos em busca do cacau cabruca, que é produzir o cacau embaixo da Mata Atlântica. Era um sonho e ele só podia ser realizado aqui”, afirma. “Mas convivo com cacau desde sempre.” Nascido no Vale do Jiquiriçá, um pedaço do Recôncavo Baiano entre vales e morros bons para trilhas, cavalgadas, canoagem e outros esportes radicais, Santos é filho de produtor de cacau e de gado em pequenas propriedades. E também se casou com a filha de um produtor rural que tinha o mesmo modelo de pequeno negócio.
Ele conta que chegou a ser comerciante, mas assim que juntou um dinheirinho não pensou duas vezes. Na época, foi em busca do que cabia no seu bolso, em uma região de fazendas quase abandonadas por causa da crise no setor provocada pela praga vassoura de bruxa, um fungo que começou a atacar os cacaueiros no final dos anos 1990 e quase dizimou a atividade na Bahia. “Se não fosse uma fazenda praticamente abandonada eu não teria conseguido, e aí tocamos o barco eu e Cleide, a minha esposa, sempre juntos.”
A produção é de 30 toneladas de amêndoas por ano, mas antes da seca já chegou ao pico de 70 toneladas. A decisão pela qualidade e o sacrifício do volume veio com muito estudo, observação e com a ajuda da Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), um organismo governamental de pesquisa e de apoio aos produtores rurais criado há 65 anos para atuar nos biomas Mata Atlântica e Floresta Amazônica.
A densidade que era de 1.000 pés de cacau, por hectare, hoje é de 700 plantas, com sete quilômetros de carreadores por onde passam tratores e roçadeiras para manter a lavoura com sombreamento de 20%, o ideal no sistema cabruca em que os pés de cacau ficam sob a sombras das grandes árvores nativas.
Com a rota de voo reconfigurada, Santos foi em busca de qualificação para suas amêndoas com a ideia de agregar valor à produção. Ou seja, conhecer profundamente o que produz e tomar as melhores estratégias de comércio. Vale registrar que os serviços da natureza não são como uma tábua plana. Em uma propriedade rural, para tudo que é plantado ou criado, no final das contas há três categorias nas quais os produtos se encaixam: os superiores, os medianos e os inferiores, que em fazenda tope de linha não significa produto ruim.
Na Estrela Guia, as amêndoas classificadas como superiores vão para a Dengo e representam 35% da produção. Cerca de 20% são destinadas aos chocolateiros bean to bar, modelo de negócio que começa pela amêndoa fornecida por um produtor e vai até o doce embalado para consumo. A multinacional Barry Callebaut compra outros 35% das amêndoas. O produtor diz que com a Dengo tem conseguido preços até 150% maiores que o valor do mercado. Mas seria impossível sobreviver sem a indústria de consumo, que precisa de escala para os vários produtos que fabrica aos seus diferentes públicos. “Meu negócio não sobreviveria sem a Barry Callebaut e sei que o cacau vendido para ela é de qualidade”, afirma Santos.
Caminho para ser Tree to bar
O produtor tem certeza do que entrega porque uma das tarefas a que se propôs foi conhecer profundamente sua roça de cacau. E para ter pé daquilo que plantava era preciso processar amêndoas e fabricar o chocolate. Hoje, do total de amêndoas produzidas, 10% são utilizadas pela própria fazenda no formato Tree to Bar, modelo no qual os cacaueiros também são produtores de chocolate. “Temos uma mini fábrica, que eu aconselho para qualquer produtor agregar valor aos derivados do cacau. É muito simples”, afirma.
A mini fábrica da fazenda foi construída da seguinte forma: separada a cozinha de uma das casas da fazenda, ela foi azulejada, cumprindo parâmetros de higiene. Em seguida, Santos comprou pequenas melanges, que são moinhos de pedras modernos, capazes de produzir chocolates e pastas de oleaginosas a partir de uma infinidade de tipos de grãos.
“Precisava fazer isso porque é da produção das amêndoas que vem o lucro da fazenda”, diz ele. “E fazendo o chocolate eu poderia conhecer a amêndoa.” Com essa ideia na cabeça, o cacauicultor passou a testar cada roça para saber o sabor que saía dali, que é o princípio do conceito de terroir, porque ele queria passar essa informação para os seus clientes bean to bar. Foi a filha que mudou o rumo desse chocolate experimental. Ela disse: “oh pai, você está fazendo um chocolate excelente, por que a gente não comercializa isso?”. “Fiz uma proposta: que ela tomasse conta desse mercado e eu só ia fabricar o chocolate”, diz Santas.
A filha, que está terminando seu curso universitário neste ano, resolve tudo, da embalagem às redes sociais. O outro filho, que faz medicina, também está na lida com o pai. “Ele fica mais na roça, nas barcaças comigo, e mesmo sem tempo está sempre com a gente”, afirma. Santos não pode desperdiçar nenhum tipo de mão de mão porque na produção artesanal até a catação da seleção final para enviar as amêndoas aos seus destinos é à mão mesmo, amêndoa por amêndoa. A equipe de campo tem oito pessoas, mais cerca de quatro diaristas na colheita, que ocorre em quase todos os meses do ano contando os frutos da safra e da entressafra.
A marca tree to bar tem chocolates com vários teores de cacau, sem lactose, com coco, leite, castanhas nibes. Santos só fica em dúvida para responder de qual gosta mais gosta quando questionado. Para, pensar, põe a mão no rosto e dispara: “Olha, nosso chocolate tem dois ingredientes, o cacau e o açúcar de coco. É a minha preferência e pode até ter chocolate melhor, mas sei que o nosso é um chocolate saúde”, disse ele ao falar com a Forbes no meio da sua lavoura. Vale registrar que entre as muitas propriedades do cacau está a sua riqueza em substâncias antioxidantes que protegem o coração, além dos compostos que aumentam a endorfina, substâncias que atuam no cérebro e melhoram o humor da humanidade.
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