Desde o final de fevereiro, medir os impactos da invasão da Rússia na Ucrânia tem sido uma tarefa diária do mundo. Em meio a uma guerra ainda sem data para terminar, no setor do agronegócio os países dependentes dos fertilizantes baseados nas reservas de potássio de Rússia e Ucrânia começam a contabilizar as possíveis perdas e as estratégias para contornar a falta do insumo. Junto com nitrogênio e fósforo, o potássio compõe a fórmula básica dos fertilizantes.
No início desta semana, o FarmDoc, grupo de pesquisadores do Meio-Oeste dos Estados Unidos lotados na Universidade de Illinois, um dos principais estados produtores de commodities no país, apresentou um levantamento do que ocorre nas lavouras norte-americanas e quais os caminhos possíveis para as próximas safras. O grupo, que atualmente conta com a colaboração da jornalista brasileira, pesquisadora e doutoranda, Joana Colussi, hoje no Departamento de Agricultura e Economia do Consumidor da universidade, também apresentou uma análise das possibilidades no Brasil.
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“Se houver uma ruptura na relação com a Rússia, como resultado de sanções comerciais, ambos os países, e a Europa, serão afetados pelo aumento de preços. Porém, o impacto principal ocorrerá no Brasil”, diz o economista Gary Schnitkey, do Farmdoc, e um analistas juntamente com outro economista, Carl Zulauf, professor da universidade de Ohio e especialista em política agrícola e mercados futuros.
Schnitkey é professor de gestão agrícola da universidade, especialista em análise de receitas, custos e impactos dos programas de gestão de risco, como o seguro agrícola. O Farmdoc foi criado há duas décadas para ajudar os produtores de grãos norte-americanos a tomar decisões, com a publicação de estudos e análises diárias em vários canais. Mas atrai outro tipo de clientela também. Hoje, cerca de 20% dos usuários do Farmdoc são estrangeiros, entre eles os brasileiros.
Brasil e Estados Unidos são países estratégicos na produção e exportação de grãos, principalmente milho e soja. Tudo que ocorre nas lavouras norte-americanas interessa aos produtores brasileiros e na oferta global de grãos, com a Bolsa de Chicago como termômetro dessa relação. A desestabilização na oferta de fertilizantes básicos para as lavouras abriu uma corrida sem precedentes na última década em busca de insumos, agora agravada pela guerra. Nas soluções por fertilizantes potássicos e escassos no mundo, essa corrida é bastante desigual nos vários mercados globais.
Os EUA e os desembarques de fertilizantes
Os EUA são o terceiro maior importador de fertilizantes do mundo e são responsáveis por 10,3% do consumo global, atrás da China (24%) e da Índia (14,6%). Mas, segundo a universidade, os EUA saíram na frente do Brasil por possuírem uma “robusta indústria de fertilizantes”. Mesmo assim há impasses. É fato que os EUA têm uma menor dependência das importações de fertilizantes nitrogenados e fosfatados, mas não no caso do potássio.
De nitrogênio, um derivado da amônia obtido a partir da transformação química do gás natural, os EUA importam apenas 12,5% de sua demanda. A maior parte sai de Trinidad e Tobago (65%) e Canadá (30%). A dependência dos fosfatados, extraídos de rochas ou sedimentos, é ainda menor: 9%, sendo quase todo comprado no Peru e Marrocos. Só para comparação, o Brasil importa 95% da demanda de nitrogenados e 75% dos fosfatados.
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Assim como o Brasil, o aperto do mercado norte-americano por potássio é gigantesco. Os EUA importam 93% do potássio utilizado nas lavouras, contra 91% no Brasil. Com uma diferença extraordinária na logística. Todos os fornecedores de potássio estão longe das lavouras brasileiras, enquanto o principal fornecedor dos norte-americanos está no quintal de casa. Do total importado, 83% chegam do Canadá. O pouco que buscam no mundo chega da Rússia (6%), Belarus (6%) e outros países 5%.
Segundo estimativa mais recente do governo canadense, o país exporta para o mundo 22 milhões de toneladas por ano. Com a guerra na Ucrânia e as sanções à Rússia, o Canadá passou a ser alvo de negociações mais robustas de grandes demandantes desses dois mercados, como Brasil e Índia. O país tem as maiores reservas de potássio do mundo (23,5%), seguido por Rússia (20,2%) e Bielorrússia (17,6%).
“Comprar fertilizantes do Canadá e de outros países [como alternativa à Rússia] é uma ótima estratégia. Mas a maior questão é que o preparo para realizar uma maior produção de fertilizantes não é algo rápido de se fazer”, diz Schnitkey. “Além disso, há custos fixos altos para implementar uma operação de mineração. O mercado não funciona desta forma. Então, claramente, os preços para a compra do insumo irão subir.”
Para tentar minimizar o impacto dos preços dos insumos aos produtores, no dia 11 de março, o Usda (Departamento de Agricultura dos EUA) anunciou para este verão no hemisfério norte (que vai de junho a setembro, época de plantio) US$ 250 milhões em subsídios para apoiar a produção adicional de fertilizantes.
Serão utilizados em setembro fundos da Commodity Credit Corporation, órgão criado em 1948 que atua em programas determinados pelo congresso, para aqueles inscritos no início do verão. Além disso, o Usada realizará inquérito público na cadeia de suprimentos sobre sementes e insumos agrícolas, fertilizantes e mercados de varejo.
Mais terras para plantar nos EUA
O imbróglio dos fertilizantes também não é o único desafio do país em 2022. “Algo interessante vem acontecendo desde 2014, quando vimos os preços dos grãos realmente caírem. Perdemos mais de 5,6 milhões de hectares de nossa base de produção”, diz Scott Irwin, professor do departamento de economia agrícola e do consumidor na Universidade de Illinois e um dos pesquisadores do Farmdoc. “A grande questão, para a qual teremos nossa primeira pista no final de março com o relatório do USDA, é se com esses altos preços serão trazidos de volta esses hectares que deixaram de ser produzidos nos EUA desde 2014.”
Entre 2010 e 2014, os produtores aumentaram a área total de plantio de cerca de 315 milhões de acres (127,5 milhões de hectares) para 325 milhões (131,5 milhões de hectares). Desde então, essa área vem encolhendo. “Esse será um momento decisivo para os mercados de grãos. A economia sugere que devemos ver uma recuperação substancial”, afirma Irwin. “Nossa previsão é de um aumento de mais de 2,8 milhões de hectares. Se não conseguirmos isso, os mercados mundiais de grãos ficarão ainda mais apertados.”
Enquanto isso, no Brasil?
Para os analistas de Illinois, a dificuldade brasileira está na ampla dependência de importações de fertilizantes para os três insumos que compõem os insumos básicos.
Do total de 95% dos nitrogenados importados, 21% sai da Rússia, 20% da China e o restante de Qatar, Algéria, Irã, entre outros. De fosfatados, 75% são importados, com 38% do Marrocos, 15% da Rússia, mais Arábia Saudita, Estados Unidos, China e outros. Mas é no chamado pelos pesquisadores de Illinois de “insumo” problemático”, o fosfato, que o Brasil pode ter seu desempenho de lavouras comprometido.
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Dos 91% das importações de potássio, embora 32% saiam do Canadá, mas 44% são provenientes de áreas hoje conturbadas (26% da Rússia e 18% da vizinha Belarus), além de 11% comprados em Israel, entre outros. No ano em 2021, por exemplo, o país importou 41 milhões de toneladas de fertilizantes, sendo cerca de 8,2 milhões da Rússia.
Além disso, apenas na semana passada o Brasil finalmente esboçou seu Plano Nacional de Fertilizantes, um compêndio com metas de longo prazo: reduzir a 45% as importações de fertilizantes até 2050. No curto prazo resta uma tentativa da Embrapa de envio de técnicos a 30 polos produtivos para mapear o manejo dos insumos e propor maneiras de economizar seu uso nas lavouras. Até o momento, o governo federal com contas apertadas, não esboçou nenhum plano de ajuda ou subsídio aos produtores, como estão fazendo nos norte-americanos.
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