Desde o início de fevereiro, escolas de todo o país começaram a se organizar para a volta às aulas presenciais, depois de quase dois anos de estudantes em casa, aulas online e muitas complicações trazidas pelo distanciamento social causado pela pandemia. São 46,7 milhões de matrículas para o ensino médio e fundamental realizadas nas 178,4 mil escolas de educação básica no Brasil, segundo o Censo Escolar do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), de 2021. É, também, para este público que o grupo De Olho no Material Escolar, movimento criado com o objetivo de atualizar as informações dos livros escolares sobre o campo e suas cadeias produtivas, está começando a colocar em prática sua agenda de 2022.
“É um trabalho que dará suporte científico para todas as nossas lutas e que pode ajudar o próprio MEC (Ministério da Educação) a fazer o caminho da educação futura”, diz Letícia Jacintho, administradora, pecuarista, uma das lideranças desse movimento e que fez parte da Lista Forbes das 100 Mulheres Poderosas do Agro.
Em janeiro, o grupo fechou uma parceria com a FIA (Fundação Instituto de Administração), entidade ligada à USP (Universidade de São Paulo), para a realização de um estudo sobre os materiais escolares comprados pelo MEC. Será feito um mapeamento das informações desatualizadas ou incorretas sobre as cadeias produtivas nos livros escolares. Com isso, será possível embasar e indicar alterações às editoras responsáveis por livros utilizados em escolas públicas ou particulares.
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Na linguagem técnica, os “livros didáticos” são produzidos para disciplinas escolares específicas e devem seguir as regras do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), que distribui obras a todas as escolas públicas municipais e estaduais. A cada quatro anos, as editoras escolhidas pelo MEC produzem novos materiais para determinado ciclo escolar — desde 2019, o programa investiu cerca de R$ 4 bilhões na compra de obras didáticas. No caso das crianças do ensino fundamental I (do 1º ao 5º ano), em 2023 está programado para elas uma nova leva de livros de cada disciplina. As atualizações são importantes, não apenas para temas do agro, mas também para outros temas, entre eles geografia, matemática e línguas.
Por isso, nesse momento de volta às aulas, o movimento também tem realizado conversas com o MEC para que a atualização do material seja feita com base em dados científicos sobre o setor. “Colocar temas como automatização do agro, agricultura 4.0 e ILPF pode incentivar crianças a pensarem ‘vou ser um cientista’ e a perceberem o potencial do Brasil nesse setor”, pontua Letícia. “Acho que todos os setores deveriam fazer isso, a educação tem que estar ligada com a realidade nua e crua o tempo todo, porque é ela que trará a solução para os problemas futuros do país.”
De acordo com especialistas, a internet e a facilidade dos fluxos de informação deram um gigantesco salto e impacto nas salas de aula. Mas muitas escolas ainda utilizam livros didáticos clássicos, fazendo com que os estudantes tenham uma vivência da mesma forma de ensino de 10, 15 ou até 20 anos atrás. O Movimento de Olho no Material Escolar, que nasceu em 2020, veio justamente deste descompasso entre realidade e conteúdos didáticos.
Na época, Letícia, que tem filhos em escola particular, leu nos livros escolares informações sobre o campo que ela, neta e filha de produtores rurais, acredita estarem equivocadas. Foi assim que o movimento, junto com outros pais e depois entidades do agro, ganhou corpo. “No início, achamos que era um problema somente daquela escola, mas percebemos que era algo amplo, que afetava quase todas as editoras e escolas do Brasil.”
Curadoria para o movimento escolar
Fora as conversas com o MEC no processo de volta às aulas, o grupo também mantém contato com grandes editoras que fornecem materiais à rede privada de ensino. Um dos grupos que já iniciou conversas com o movimento para aprimorar seus materiais é o Somos Educação, dona de marcas como Anglo, Sistema Ph de ensino e editora Ática. Apenas esta empresa é responsável pelo material didático de aproximadamente 29 milhões de alunos em todo o país. O mercado editorial brasileiro é de cerca de R$ 5,5 bilhões por ano, atualmente.
“Tudo que for ser citado precisa ter fonte, bibliografia e comprovação científica”, pontua Marcos Jank, professor sênior de agronegócio no Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), mestre em política agrícola pelo IAM (Instituto Agronômico de Montpellier) e um dos profissionais consultados pelo movimento De Olho no Material Escolar. “Esse não pode ser um movimento em defesa do agro, é um movimento que deve estar em defesa da verdade, dos fatos e da ciência.” Jank diz que o Insper ajudará na revisão do material didático e no treinamento de pessoas ligadas à produção destes livros educacionais.
Jacintho conta que nos dois anos de vida do movimento já foi estabelecidos um modo de atuação que começa a dar resultados porque agrega ideias e pessoas. “Com uma das editoras, entramos em contato junto com a SRB (Sociedade Rural Brasileira) e levamos um dossiê com as incongruências para discutir com um agrônomo de entidades como Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)”, explica sobre a abordagem do grupo. As informações levadas às editoras são checadas a partir de pesquisas oficiais de órgãos como o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Embrapa, CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), entre outras.
Enquanto isso, no campo
Uma frente aberta desde o início do movimento foi a aproximação com os professores para que visitassem fazendas produtivas e sustentáveis. De acordo com o PNLD, do MEC, é “tarefa de professores e equipe pedagógica analisar as resenhas contidas no guia para escolher adequadamente os livros a serem utilizados no triênio”. Ou seja, está na base, em cada escola, essa tarefa.
Um exemplo de atividade do De Olho no Material Escolar nessa direção ocorreu em agosto de 2021. O grupo fez uma parceria com o instituto Farmun, criado em 2018 para conectar a sociedade urbana e o agronegócio. Uma das edições do “Vivenciando a Prática”, projeto de visitas monitoradas, aconteceu em Cuiabá (MT), uma das capitais do agronegócio.
“A experiência do dia todo foi muito significativa para nós conhecermos um pouquinho desse universo, que às vezes conhecemos bem à distância. Vivenciar a prática foi bastante enriquecedor para as nossas produções”, avaliou Luis Paulo Martins, coordenador de produção de material didático do Sesi-SP (Serviço Social da Indústria), rede escolar com cerca de 90.000 mil estudantes que utilizam material didático próprio.
Para este ano, com a volta às aulas presenciais de forma definitiva, a agenda do movimento prevê 15 encontros com professores. “Até 2024, queremos realizar 50 edições do Vivenciando a Prática”, diz Jacintho. Estamos fazendo vídeos e buscando patrocínios para nos ajudar. Este é um projeto que queremos tocar pelo resto da vida, pois pode ser replicado em todas as regiões do Brasil.”
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