Fazer ciência pode ser tão prazeroso quanto dançar o mais lindo ballet. A analogia é da pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcolmo. “As grandes bailarinas têm muito prazer no que fazem, mesmo com o pé todo machucado. Para nós, médicos, é mais ou menos assim”, diz a infectologista que se tornou conhecida do público por estar quase que diariamente em programas de TV e jornais explicando detalhes da pandemia. Desde o início, ela deixou de trabalhar por apenas duas semanas, quando contraiu Covid-19. No resto do tempo, se dividiu entre o consultório, laboratórios de pesquisa e aparições na mídia. “Desconstruir informação má e maliciosa deu muito mais trabalho do que informar.”.
As mulheres representam 70% da força de trabalho na saúde em todo o mundo, segundo o documento “Um olhar para gênero” do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). No Dia Internacional da Menina e da Mulher na Ciência, a Forbes conversa com Margareth Dalcolmo sobre o trabalho das cientistas na linha de frente contra a Covid-19 e as perspectivas para o futuro dessas mulheres no país.
Forbes: As mulheres são a maior parte da força de trabalho da saúde e isso ficou muito visível na pandemia. Como você enxerga a atuação das cientistas antes da Covid-19 e durante a crise?
Margareth Dalcolmo: Foram as mulheres que rapidamente fizeram o desvendamento do genoma do SARS-CoV-2 no Brasil. Desde o início, nós todas tivemos uma participação enorme, assistindo pacientes, conduzindo pesquisas e programas de assistência social, dando pareceres, e, muitas vezes, acumulando essas tarefas como as obrigações domésticas. As mulheres ficaram muito sobrecarregadas durante a pandemia e esse peso ficou marcadamente desigual.
F: A senhora lançou o livro “Um tempo para não esquecer” sobre suas experiências na pandemia. Quais foram as maiores dificuldades e vitórias vividas?
MD: Eu acho que todo mundo vai ter uma experiência para contar. Nós vivemos um excesso de luto, saímos com mais cicatrizes, mas talvez com mais confiança no ser humano. A gente aprende a superar as dificuldades porque acho que mulher já nasce superando dificuldades. Ao longo dos últimos anos, mesmo pré-pandemia, nós temos visto as mulheres galgando posições, mas ainda tem que haver igualdade na questão salarial. E acho que a grande capacidade de trabalho e o compromisso nesse período são um grande exemplo para as novas gerações.
F: Depois de tantas mulheres cientistas despontarem nesse período, a senhora acredita que vocês serão mais valorizadas?
MD: Eu não sou nada pessimista, acho que a pandemia serviu para mostrar a capacidade de trabalho e compromisso das mulheres. Teve uma época em que nós olhávamos os hospitais e era impressionante o número de mulheres, médicas, anestesistas, fisioterapeutas, assistentes sociais, fonoaudiólogas…. Eu espero que isso possa se reverter numa redução da desigualdade, inclusive na maneira como as mulheres são vistas em cargos de mando, porque as mulheres mostraram uma enorme capacidade de liderança durante um período tão difícil.
F: O que a senhora diria para as jovens meninas que querem seguir carreira na ciência?
MD: Em primeiro lugar, tem que realmente saber o que quer fazer e ter foco. Trabalhar com ciência e com pesquisa exige disciplina, é um compromisso perene. A gente está vivendo num mundo tão cruelmente competitivo que tem pouco lugar para médicos e, sendo mulher, a exigência é ainda maior. Então, tem que superar a questão de gênero e mostrar uma grande capacidade de foco e compromisso com o que se quer fazer.
Outras mulheres na linha de frente
Sue Ann Costa Clemens
Hoje docente da Universidade de Oxford e do Instituto Carlos Chagas, Sue Ann já contribuiu diretamente para o desenvolvimento das vacinas do rotavírus e do HPV, além de chefiar o comitê científico da Fundação Bill e Melinda Gates na busca por um novo imunizante para a poliomielite. Embora seja conhecida no meio científico há quase duas décadas, ressou na mídia por conta da atuação na pandemia. Em menos de um ano, Sue levantou do zero o financiamento para os testes da vacina Oxford/AstraZeneca no Brasil e foi responsável por coordenar os estudos nos seis centros de testagem do imunizante no país.
Jaqueline de Jesus e Ester Sabino
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“A pandemia nos forçou a evoluir e, como em todo momento de crise, é deixado um legado de aprendizados em diversos planos para estudos futuros”, comenta Jaqueline Goes de Jesus, biomédica responsável pelo mapeamento do genoma do novo coronavírus no Brasil. A especialista faz parte da equipe 60% feminina, e coordenada pela imunologista e professora da Faculdade de Medicina da USP Ester Sabino, que sequenciou o genoma viral SARS-CoV-2 apenas 24 horas depois do primeiro caso confirmado no país, em 2020.
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Daniela Santoro
Aos 10 anos, a brasiliense Daniela Santoro acompanhava a rotina de vacinação de sua irmã mais nova e questionava como uma simples gotinha poderia salvar a vida de uma criança. Hoje, imunologista e docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Daniela está entre os 30 cientistas brasileiros que trabalham para criar um spray nasal que promete reforçar a imunidade contra a Covid-19.
Nísia Trindade Lima
Primeira mulher a assumir a presidência da Fiocruz em 120 anos da existência da instituição, Nísia Trindade foi responsável por liderar as ações do órgão no enfrentamento à pandemia. Ela articulou os processos entre o Ministério da Saúde, a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca para a produção da vacina pela Fiocruz e está cumprindo a promessa de expandir o papel da fundação na comunidade global de saúde.
Soraya Smaili
A farmacêutica Soraya Smaili foi a primeira reitora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), ocupando o cargo entre 2013 e 2021. Durante a pandemia, a professora e pesquisadora com pós-doutorado na área de farmacologia esteve à frente dos testes da vacina da Universidade de Oxford no Brasil.
Meiruze Sousa Freitas
A farmacêutica Meiruze Sousa Freitas foi aprovada para a diretoria da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no final de 2020, mas já ocupava o cargo desde abril, quando a Covid-19 já estava em solo brasileiro. A agência reguladora, responsável por fiscalizar a produção e consumo de produtos submetidos à vigilância sanitária, teve grande atuação na pandemia.
Natalia Pasternak
Quem esteve atento ao noticiário durante a pandemia, dificilmente não escutou as explicações da microbiologista Natalia Pasternak. Fundadora e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e a primeira brasileira a integrar o Comitê para a Investigação Cética, ela esteve na linha de frente contra a desinformação que rondava o vírus e a saúde em geral nesse período.
Elizabeth Hernandes e Luciana Vieira
A guerra tem rosto de mulher. Esse é o título do artigo das especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental Elizabeth Hernandes e Luciana Vieira. No trabalho, elas destacam a predominância das mulheres na força de trabalho da saúde durante a crise sanitária, no Brasil e no mundo, e analisa as dificuldades enfrentadas por elas nesse período.
Elizabete Mitsue Pereira
Enfermeira de formação e responsável pelo Hospital da Brasilândia, que atende exclusivamente pacientes graves de Covid-19 em 115 leitos, Elizabete Mitsue Pereira esteve à frente da implantação do maior hospital de campanha do Brasil, o Hospital de Campanha Anhembi.
Mariângela Simão
O papel de vice-diretora geral da OMS (Organização Mundial da Saúde) em uma pandemia não é simples. Mariângela Simão foi responsável por garantir o acesso a fármacos e vacinas em pesquisa para países menos favorecidos economicamente, por meio de políticas e acordos de uso equitativo.
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