Se a pandemia impactou os mais diversos segmentos sociais e econômicos em todo o mundo, no setor de saúde a pressão da crise sanitária acelerou ainda mais esse processo de mudança e forçou os sistemas de saúde público e privado a se adaptarem em um curtíssimo período de tempo.
Para se adaptar, foi preciso criar, inovar e agir. A transformação tem sido tão notável que repercute até no mercado financeiro – para recuperar, manter ou ganhar competitividade no novo cenário, players do setor intensificaram processos de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês).
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Estudo da consultoria Deloitte mostra que, entre 2019 e 2020, o número de transações de M&A no setor de Life Sciences & Healthcare – que engloba os segmentos de indústria e serviços em assistência médica, farmacêutica, higiene, estética e cosméti-cos – cresceu 17% no Brasil. Somente no primeiro semestre de 2021 foram nada menos que 104 transações desse tipo.
“O momento que vivemos tem exacerbado deficiências e desencadeado mudanças sistêmicas em todos os agentes do setor de saúde, no Brasil e no mundo. Acesso a talentos diferenciados, tecnologia emergente e conjuntos de dados robustos, todos conectados por meio de uma plataforma para catalisar e sustentar a inovação, agora são mais cruciais do que nunca”, afirma Luís Fernando Joaquim, sócio-líder de Life Sciences & Health Care da Deloitte.
O especialista avalia que as empresas de saúde estão respondendo a essas transformações por meio da telemedicina, aumentando as transações sem contato físico e aplicando testes clínicos rápidos. “As organizações que procuram inovar buscarão consolidação para ganhar mais capacidades, recursos e relacionamentos, e garantir que o atendimento seja prestado de maneira mais otimizada, equitativa, preventiva e focada no bem-estar.”
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Para Iago Souza, analista de investimentos da gestora Warren, a pandemia levou a reduções dramáticas nos gastos com saúde, já que as pessoas deixaram de realizar serviços eletivos, ao mesmo tempo que os custos hospitalares aumentavam, por causa da maior ocupação de leitos para atendimento de pacientes com Covid.
“Pressionado por margens mais baixas, o mercado criou oportunidades para redes maiores adquirirem operadores e hospitais menores”, diz. É o que aconteceu com a Hapvida, que em setembro adquiriu a HB Saúde, do interior de São Paulo, após acirrada disputa com a SulAmérica.
A Hapvida está em franco processo de consolidação e somou nove M&As entre julho de 2020 e fevereiro de 2021, incluindo a compra do grupo NotreDame Intermédica, que ainda depende do aval do Cade (Conselho Adminisrativo de Direito Econômico).
“O setor de saúde continua muito subpenetrado. Temos menos de 25% da população brasileira com acesso a um plano de saúde, apesar de ser um dos bens mais requisitados pelas pessoas. As pesquisas mostram que, na pandemia, muitos desejavam ter um plano de saúde, como resultado do aumento na percepção de valor da saúde em geral”, comentou Leo Monteiro, analista e research da Ativa Investimentos.
Oportunidades de negócios não faltam. Das mais de 900 operadoras de saúde ativas no Brasil, apenas 90 têm mais de 100 mil beneficiários. “Se olharmos individualmente para essas operadoras, excluindo as Unimed, nenhuma tem mais de 10% de market share. É um mercado pulverizado”, afirma Monteiro.
O movimento de consolidação ocorre em toda a cadeia, não apenas em hospitais e planos de saúde. Em agosto, as empresas Domicile e Homedical, especializadas em homecare, e a gestora de private equity Crescera Capital anunciaram a criação da holding Plural Care. A nova empresa vai atender mais de 50 operadoras de planos de saúde e terá cobertura em mais de 500 municípios em todos os estados brasileiros.
“Os processos de fusões e aquisições em saúde são inexoráveis. O setor, em especial as fontes pagadoras, clama por empresas mais sólidas, com foco na jornada completa de seus pacientes, melhores desfechos clínicos e, principalmente, novos modelos de pagamento por performance”, resumiu João Paulo Silveira, CEO da Domicile e sócio da Plural Care.
Tecnologia
O estudo da Deloitte aponta que devem surgir alianças entre as empresas de cuidados de saúde e as gigantes da tecnologia, com cada uma trazendo pontos fortes diferentes.
Enquanto as empresas de tecnologia fornecem conhecimento digital, dados, insights de análise, experiência do cliente e grandes orçamentos de investimento, as entidades de saúde trazem conhecimento clínico e de mercado e a confiança do consumidor.
É o caso da empresa de dispositivos médicos CMR Surgical, com sede no Reino Unido, que escolheu o Brasil como foco na estratégia de acelerar rapidamente sua expansão geográfica a partir do aporte de US$ 600 milhões (R$ 3,26 bilhões) obtido em rodada de financiamento com fundos de investimentos liderada pelo SoftBank Vision Fund e pelo Ally Bridge Group.
A empresa trouxe para o país o robô cirúrgico Versius, um sistema compacto, portátil e modular que pode ser movido para diferentes salas dentro dos centros irúrgicos. O primeiro robô foi instalado na Rede D’Or São Luiz, onde a CMR Surgical mantém em parceria um centro de treinamento para demonstrações do sistema aos cirurgiões e suas equipes.
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“O sistema robótico é utilizado com sucesso em centenas de cirurgias de diversas especialidades – colorretais, gastrointesti-nais, ginecológicas, urológicas, além de cirurgia geral. Na fase pré-clínica, estão sendo realizados estudos nas áreas de cabeça e pescoço e de cirurgia torácica”, diz Mario Ferradosa, diretor da CMR Surgical para América Latina.
O estudo da Deloitte indica que houve um aumento da adoção de interações virtuais (telemedicina) e que 80% dos usuários estão propensos a fazer consultas virtuais mesmo após a pandemia. E que é cada vez maior o interesse em dispositivos que promovam estilos de vida saudáveis, vitalidade e bem-estar, além de pro-gramas de prevenção primária e secundária e de diagnóstico precoce. Nunca fez tanto sentido o velho ditado: é melhor prevenir do que remediar.
*Reportagem publicada na edição 90 da Revista Forbes.
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