Metaversos, NFTs, blockchain, Web3, tokenização, transformação digital, digitalização. O glossário recente de negócios não carece de termos que atraem, geram audiência e adicionam uma roupagem moderna a muitos conceitos já existentes. Seguir uma tendência ou aproveitar um termo em alta para encaixar um projeto pode ser efetivo em termos de marketing e PR, mas no longo prazo, qual o efeito sobre os resultados de uma empresa? Ricardo Cavallini, professor da Singularity University e autor de seis livros que abordam tecnologia, negócios e comunicação, dentre eles “O Marketing Depois de Amanhã”, reflete sobre a importância do equilíbrio.
Para a Forbes Brasil, Cavallini, que também é idealizador do Fork Podcast, pontua os desafios de equilibrar tendências e ações práticas de negócios e faz alguns alertas sobre a importância de não perder o foco, mas manter-se atualizado como empresa. “Aprenda sobre tendências, sem preconceito mas também sem desespero. Seja aberto em relação a possibilidade de mudança, mas crítico em relação à velocidade do impacto. Outro problema é pular de tendência a tendência sem se aprofundar em nenhuma. Tem empresa séria falando em metaverso, sem antes ter uma estratégia clara e consistente sobre inteligência artificial, por exemplo”, destaca.
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Forbes Brasil – Por qual motivo alguns conceitos de tecnologia, não necessariamente novos, ressurgem com tanta força no mainstream (metaverso e NFTs atualmente são exemplos) e qual a importância de ter atenção quanto a eles?
Ricardo Cavallini – Chamam atenção por três motivos. O primeiro e o mais correto, são frentes que terão um avanço significativo de atenção, dinheiro, maturidade ou aceitação no mercado. Frentes que podem ter sim um impacto significativo em várias indústrias nos próximos anos. Segundo, alguma ação com grande força midiática: no caso das NFTs foram obras de artes vendidas por dezenas de milhões de dólares. No caso do metaverso, foi o fato de uma das maiores empresas do mundo (Meta) apontar sua direção e seus esforços para o tema. O terceiro é o pior motivo de todos. Especialistas e a mídia em geral precisam de novidades para gerar cliques, visualizações e vender livros e palestras. Pense em empresas que vivem de vender apresentações com tendências. A cada trimestre é preciso mostrar um monte de novidades que irão botar sua indústria de ponta cabeça e fazer você ficar desatualizado. Alimentar a ansiedade e a incerteza são ótimas formas de vender.
F- Mas acompanhar tendências não é um elemento vital para que as empresas sobrevivam?
RC – Muitas empresas aproveitam o buzz para somar atributos de inovação e modernidade a suas marcas. Tem marca experimentando e se relacionando de forma muito legal com seus consumidores e, do outro lado, aquelas que querem apenas gerar espuma. Deixo para vocês julgarem quais as iniciativas legais e quais são apenas firulas. Isso dito, o problema não está no apontamento das tendências em si, mas na maneira como a expectativa e urgência que é gerada. Aprenda sobre elas, sem preconceito, mas também sem desespero. Seja aberto em relação a possibilidade de mudança, mas crítico em relação a velocidade do impacto. Outro problema é pular de tendência a tendência sem se aprofundar em nenhuma. Tem empresa séria falando em metaverso sem antes ter uma estratégia clara e consistente sobre inteligência artificial, por exemplo.
F – Tirando toda a euforia em torno do tema, na prática, como que o metaverso causará algum tipo de impacto (ou não) na nossa sociedade, no médio e longo prazos?
RC – Depende muito do que podemos considerar como metaverso. Jogos como Fortnite e LoL que já têm centenas de milhões de players são parte do metaverso? E os óculos de realidade aumentada que podem atingir a massa nos próximos anos com a entrada de grandes empresas como a Apple? Ou estamos falando apenas de óculos de realidade virtual onde a imersão é mais profunda, visualmente falando, mas que podem demorar mais para atingir um número relevante de usuários? Eu acredito que a imersão que alguns jogos apresentam sejam muito mais relevantes que as experiências atuais de realidade virtual. Você faz amigos, curte com eles. Os personagens de pele azul ou pink com roupas extravagantes podem representar mais a sua personalidade do que um “gêmeo virtual” com o seu rosto em 3D, como Zuckerberg demonstrou. É claro que um show ao vivo do Travis Scott é diferente do show que ele fez no Fortnite. Mas achar que um é melhor que o outro é um erro de quem não entende os jogos. Eles são diferentes, ponto. O que vai tornar um deles mais épico que o outro (para cada pessoa) parte de uma série de circunstâncias que não necessariamente têm relação com o mundo virtual ou de tijolo.
F – Quais tipos de tecnologias não óbvias você acha que podem nos impactar e poucos falam?
RC – A mais óbvia — e mais relevante — é a inteligência artificial. Já não está na moda mas é a de maior impacto, tanto na abrangência como força. Do lado menos óbvio, apontaria não uma tecnologia, mas uma frente. Sabemos que as tecnologias mudam antes (e mais facilmente) que pessoas (cultura). Pessoas mudam mais facilmente que empresas e estas, por sua vez, antes que políticas públicas e legislação. São quase 30 anos de internet, cerca de 15 da explosão das redes sociais e cerca de 8 das big techs se tornando tão poderosas. Estamos discutindo transformação digital das empresas mas chegou a hora das ondas de impacto em política pública e legislação começarem. LGPD e ESG que estão com muita força são apenas o começo. A discussão antitruste voltou ao radar nos EUA e na Europa a cada momento surgem questões novas, sobre imposto, privacidade, sustentabilidade e concorrência.
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F – Web3, no que consiste esse conceito e de que forma ele pode trazer novas perspectivas para a sociedade digital?
RC – Sinto que a força da Web3 vem de um desejo mais puro de corrigir os problemas atuais da internet. Do entendimento que a internet foi para um caminho errado, com tantos monopólios, problemas de fake news, discurso de ódio e tudo mais. Quando surgiu, uma das principais descrições da internet era que ela era distribuída. Pense no Brasil, um país onde Facebook virou sinônimo de internet, comerciantes dependem de colocar sua empresa no Instagram e 99% dos smartphones têm um WhatsApp instalado. Web3 é sobre a descentralização da internet. Mais do que uma evolução (a próxima versão, três ponto zero), se trata de uma remodelagem da internet, baseada em blockchain, tokenização e descentralização. Aproveito para fazer um parênteses aqui, a frase acima em si mostra bem a necessidade dos executivos ficarem em dia com as novidades, apesar das ponderações que fiz nas respostas anteriores. Perceba que para entender web3 é preciso conhecer outras coisas que muita gente ainda não entende a tecnologia nem compreende o conceito. Mas fechando sobre Web3. Utopia? Talvez não, mas quando uma das vedetes desse mundo novo é o NFT, que apesar de usar criptomoedas e blockchain, não é nada descentralizado, fica claro o quando a realidade de Web3 está distante.
F – Por fim, para quais tecnologias e segmentos você acha que estará a atenção dos investidores (principalmente quando falamos de startups) nos próximos anos?
AC – Depende de quem consideramos como investidores, mas vejo uma necessidade (que pode virar uma tendência) de entrarmos em um novo momento. A oferta de dinheiro é maior que a demanda, principalmente em países em desenvolvimento. Assim como defendo com a questão dos empregos, está na hora de plantar, não de colher. Algumas indústrias começam a olhar com mais carinho para ciência base e médio longo prazo. A Emerge, que faz a ponte entre indústrias e academia, cujo CEO entrevistei no Fork Podcast é um exemplo interessante disso. Do outro lado, quando falamos de VCs, que investem em empresas com um bom nível de maturidade mas que precisam escalar (e portanto, relativamente distantes das buzzwords do momento ou tendências do futuro), mas o novo fundo de US$ 300 milhões do Softbank para investir em early stage talvez seja um bom exemplo disso.
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