Artigos científicos geralmente não viralizam, mas, nesta semana, uma equipe de pesquisadores da Oregon State University publicou um estudo que continha a fórmula mágica para explodir a internet: cannabis e Covid-19.
De acordo com uma pesquisa publicada na última segunda-feira no Journal of Natural Products (e posteriormente repostada em quase todos os meios de comunicação do mundo), dois compostos encontrados em plantas de cânhamo – especificamente, ácidos que se tornam canabinóides ativos somente após a aplicação de calor – “impediram a entrada” do novo coronavírus que causa Covid-19 em células humanas isoladas.
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Isso pode significar que certas preparações derivadas da cannabis, administradas na quantidade certa, podem ajudar as pessoas a combater a Covid-19. O que é uma boa notícia.
O que esta pesquisa não significa é que fumar maconha ajuda a proteger do coronavírus, que “maconha acaba com a Covid” (pelo menos no sentido prático) ou que a razão pela qual alguém se infectou enquanto outra pessoa não teve nada tem a ver com a cannabis.
No entanto, assim que a notícia apareceu nos meios de comunicação e nas redes sociais ontem (12) de manhã, essa foi a conclusão tirada da pesquisa por parte do público.
É claro que os autores do estudo não fizeram tais alegações e qualquer um que lesse a pesquisa – ou, em defesa da imprensa, qualquer cobertura além das manchetes – saberia disso. O problema é duplo: poucas pessoas fazem isso e mesmo aquelas que o fazem não entendem exatamente a diferença entre um canabinóide e um ácido canabinóide.
Em entrevista à VICE, Richard van Breemen, professor de química medicinal da Oregon State e principal autor do estudo, explicou que os pesquisadores queriam investigar quais produtos naturais podem ajudar os humanos a combater o vírus.
Eles descobriram que três compostos no cânhamo “tinham uma alta capacidade de se ligar à proteína spike”, aquela que permite que o novo coronavírus entre nas células humanas com tanta facilidade e, assim, espalhe a Covid-19 tão rapidamente.
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Esse três compostos são o ácido canabidiólico (CBD-A), o ácido canabigerólico (CBG-A) e o ácido tetraidrocanabinólico (THC-A). Na bioquímica da cannabis, os ácidos são os precursores biossintéticos dos canabinóides que ativam os receptores em humanos – ou seja, que te deixam “chapado”. Isso significa que, em termos simples, os compostos de cannabis estudados nesta pesquisa não são os mesmos que a maioria dos usuários de maconha procura quando consome a erva.
E eles não são os compostos que você ingere ao comer ou fumar cannabis, porque esses ácidos são transformados quando o calor é aplicado – de THC-A para THC, de CBD-A para CBD, de CBG-A para CBD. E nem CBD, THC ou CBG são “ativos contra o vírus”, disse van Breemen.
Como o pesquisador disse à VICE, um “suplemento alimentar” como uma bala de goma ou óleo concentrado que contenha esses três compostos pode ajudar as pessoas a se manterem saudáveis. (Os pesquisadores não puderam estudar o THC-A devido às leis federais dos EUA sobre drogas.)
Mas como a maioria da cannabis disponível comercialmente nos EUA, seja vendida em lojas licenciadas ou no mercado tradicional, tem muito pouco CBD ou CBG, boa parte dela não fará nada em relação à Covid-19 – e nenhuma cannabis fumada fará nada.
E ainda não sabemos nem mesmo se esses compostos farão alguma coisa.
“O que acontece em um tubo de ensaio nem sempre se traduz no que acontece em animais ou humanos”, observou Patricia Frye, médica e especialista em cannabis que pratica medicina integrativa e leciona na Escola de Farmácia da Universidade de Maryland. “Não sabemos se o ácido canabidiólico ou o ácido canabigerólico prevenirá a infecção”.
“E dado que agora existem tratamentos para infecções por Covid em pacientes graves (anticorpos monoclonais e antivirais, por exemplo), eu não recomendaria o uso de cannabis em vez dos medicamentos disponíveis se uma pessoa estiver em uma situação de alto risco”, acrescentou.
Frye observou que tanto os autores do estudo quanto a maior parte da cobertura jornalística estavam perfeitamente claros. Mas nem todo mundo sabe a diferença entre THC e THC-A. Por esse motivo, “tenho certeza de que muitos no público que não entendem o que são os ácidos podem pensar que fumar cannabis pode prevenir a Covid”, disse ela.
“Não temos motivos para pensar que fumar maconha protege você”, concordou o Dr. Peter Grinspoon, médico do Massachusetts General Hospital e instrutor da Harvard Medical School, que escreve regularmente sobre cannabis. “Fumar qualquer coisa não é uma boa ideia durante uma pandemia que afeta os pulmões”.
E Grinspoon deu mais um banho de água fria na história. “Esses compostos precisariam ser testados em animais, depois em humanos e realmente comprovados como eficazes contra a Covid. Isso está muito longe, supondo que funcionem, o que não é de forma alguma garantido”, disse ele.
O post Fumar maconha não vai te proteger da Covid-19; entenda apareceu primeiro em Forbes Brasil.