Nós, mulheres, precisamos ter coragem de correr riscos

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Por Carolina Cavenaghi*

Sim, precisamos ter coragem para correr riscos. Tenho refletido muito sobre isso. Trago essa questão pois, infelizmente, vivemos em uma realidade na qual a maioria das pessoas busca caminhos “garantidos”. É muito comum no mercado de trabalho encontrar pessoas que, de forma involuntária, depositam em seus líderes todas as suas expectativas de crescimento de carreira. Como resultado, vemos cada vez mais pessoas sobrecarregadas e frustradas.

Em um mundo em constante mudanças, é impossível eliminar os riscos e as incertezas, principalmente nos locais de trabalho complexos. Sinto que vivemos uma realidade imediatista, com a expectativa de sucesso garantido. Porém, para chegarmos a esse tão sonhado lugar, muitas vezes assumir riscos, fracassar e receber críticas faz parte do caminho.

Para nós, mulheres, esse cenário muitas vezes é ainda mais desafiador. A maioria dos locais de trabalho é tradicionalmente feito por homens e para os homens. E os preconceitos interpessoais – velados ou não – exigem ainda mais coragem e posicionamento.

Porém muitas mulheres extremamente competentes e preparadas são avessas a riscos. Sim, nós sabemos que somos capazes, porém preferimos muitas vezes não nos posicionar do que enfrentar uma situação de pedir aumento ou uma posição mais alta na empresa, por exemplo.

Os homens são diferentes. Pesquisas relatam que os homens se candidatam a empregos quando atendem a cerca de 60% das qualificações, enquanto as mulheres se candidatam apenas se atenderem a 100% delas.

Mesmo quando elas querem uma determinada vaga ou cargo, muitas vezes desistem de tentar pelo medo de arriscar ou por não acreditarem em si mesmas. Isso impacta diretamente em suas carreiras e bem-estar, além de impactar também as empresas, que perdem um potencial oculto e experiência das suas funcionárias ou possíveis candidatas.

O fato é que o medo das mulheres de assumir riscos começa muito antes de entrarem no mercado de trabalho. A maioria das meninas é ensinada a evitar riscos e fracassos, a ter um sorriso bonito e agradar, a optar pelo seguro e ser uma boa aluna na escola. Os meninos, por outro lado, são ensinados a serem agressivos, a arriscar, a serem mais ousados.

 

Quando adultos, os homens são incentivados a sempre ganhar mais, pedir aumento, chamar alguém para sair, falar em público. A sensação é que foram criados e estão acostumados a tomar risco. Você já parou para pensar que, muitas vezes, até os fracassos fazem parte da carreira dos homens? Como se eles fossem autorizados a fracassar um ou duas vezes, e tudo bem?

Assisti a um TED recentemente, da Reshma Saujani, fundadora de Girls Who Code, em que ela diz: “Algumas pessoas preocupam-se com o ‘déficit do governo’, mas eu me preocupo com nosso ‘déficit de bravura’. Nossa economia e sociedade estão perdendo por não criarmos as meninas para serem corajosas”. Esse déficit de bravura é um dos motivos de termos tão poucas mulheres na liderança, participando de conselhos executivos, reuniões, Congresso, em praticamente todos os lugares.

Ela também conta sobre uma psicóloga chamada Carol Dweck, que, na década de 1980, analisou como os alunos brilhantes do quinto ano lidavam com uma tarefa que era muito difícil, e descobriu que as meninas desistiam rapidamente. Quanto maior o QI, maior a probabilidade de desistirem.

Os meninos, por outro lado, consideravam o material difícil como um desafio, algo ainda mais estimulante. Ou seja, a diferença estava em como os meninos e as meninas encaravam um desafio. Da mesma forma como homens e mulheres encaram se candidatar para uma vaga, pedir aumento de salário etc.

Carol Dweck traz uma visão de que nós mulheres somos criadas para buscar a perfeição, de que somos muito cautelosas e, mesmo quando somos ambiciosas, quando estamos no caminho certo, essa busca da perfeição nos leva a correr menos risco em nossas carreiras.

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E, assim, a taxa de participação das mulheres na força de trabalho no Brasil ficou em 45,8% ao final de 2020, uma queda de 14% em relação à 2019. As mulheres ocupam apenas 37,4% dos cargos gerenciais e recebem 77,7% do rendimento dos homens, segundo a pesquisa “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, do IBGE.

Com a pandemia, esse cenário ficou pior. Estima-se um atraso ainda maior para as mulheres no mercado de trabalho. Isso significa que nossa economia está ficando para trás no que diz respeito a toda inovação e problemas que as mulheres poderiam solucionar se estivessem mais à frente das tomadas de decisão.

O quanto dos nossos medos e da nossa herança estão nos impedindo de correr riscos? Ao longo dos últimos anos, em que estive mergulhada em pesquisas sobre mulheres e equidade de gênero, eu observei que o que as mulheres mais temem em relação a correr riscos é o medo de uma decisão errada.

Mas o que podemos fazer para mudar a forma como corremos riscos?

De longe, a melhor estratégia é compreender que esse é um processo que começa em nós mesmas. É preciso desenvolver essa autorresponsabilidade e gentileza. Entender que o mais importante é ser fiel a nós mesmas e colocar o nosso esforço em nossa autoconfiança, e não na necessidade de provar nada para ninguém.

Hoje, em todas as oportunidades que tenho através da Fin4she em me conectar com mulheres, o que eu mais falo é sobre coragem. Não existe protagonismo sem coragem. O caminho não é fácil, existem fracassos e algumas escolhas erradas. Porém o protagonismo exige resiliência e imperfeição. Além disso, nós estamos mais inseguras. Antes da pandemia, tínhamos a sensação de que alguns caminhos já estavam mais pavimentados – e agora temos que pavimentar com mais frequência esses novos caminhos.

Precisamos incentivar cada vez mais todas as meninas a serem corajosas desde sempre, na escola, no início de suas carreiras. Isso, sim, é o que irá transformar a nossa realidade. Eu acredito que cada vez mais o futuro exige resiliência, coragem e conexão emocional.

Por isso, proponho uma reflexão: qual foi a última menina ou mulher que você encorajou a arriscar mais?

Essa transformação depende de todas nós!

*Carolina Cavenaghi é cofundadora e CEO da Fin4she, uma plataforma que conecta e impulsiona negócios e pessoas através da diversidade. É responsável por liderar e implementar projetos que promovem o protagonismo e a independência financeira feminina, buscando ampliar e fortalecer a presença de mulheres no mercado de trabalho. É a idealizadora do Women in Finance Summit Brazil e do Young Women Summit, eventos que já reuniram milhares de pessoas. Foi executiva da Franklin Templeton por mais de dez anos e trabalha no mercado financeiro desde 2006. Atualmente mora em Teresina, no Piauí, é mãe do Tom e do Martin e, através da Fin4she, tem a missão de transformar a forma como o mercado e as pessoas se conectam com a equidade de gênero.

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