De acordo com um relatório divulgado pela agência de publicidade GroupM, os gastos globais com publicidade cresceram 22,5% em 2021, um crescimento que deve continuar no próximo ano, ainda que menor, de cerca de 10%. Com mais atenção para o setor, o profissional do setor criativo, que envolve publicitários, designers, estrategistas, roteiristas e cineastas, deve buscar por novas habilidades. “Está surgindo um novo profissional e ele precisa ser adaptável e entender como pode ser relevante para diferentes públicos”, diz Beto Guimarães, CEO do braço brasileiro da Interbrand, consultoria global de marca com escritórios em 13 países e clientes como Latam Airlines, Google, Itaú Unibanco, Votorantim, Locaweb, Samsung e Microsoft. Aqui, Guimarães conta para a Forbes as transformações que a pandemia trouxe para as marcas e quais são as expectativas para o profissional do setor criativo em 2022.
Forbes: Qual é o perfil que as empresas estão buscando no profissional de criatividade em 2022?
Beto Guimarães: Não importa qual é a sua área, precisamos começar a aprender línguas diferentes. E, quando falo em línguas, não estou me referindo a idiomas, mas de comunicação. Precisamos saber nos comunicar com todos, desde os conselhos de administração até o público final. Está surgindo um novo profissional, e ele precisa ser adaptável e entender como pode ser relevante para todos esses públicos. As decisões estão sendo tomadas de maneira mais horizontal, a pandemia achatou essa verticalização das relações dentro de uma empresa. Até por experiência, a gente percebeu que esses membros de conselhos de administração estão descendo de um pedestal e fazendo parte de grupos de trabalho específicos. A gente precisa saber se comunicar nesse novo contexto. Outra coisa é que muitas vezes a gente precisava pagar uma passagem, transportar a pessoa até a gente e esperar um mês até que ela retornasse com uma resposta. Hoje, essa pessoa está a um clique de distância. Muito além disso, a resposta também chega com bastante velocidade. São novas dinâmicas, que também se aplicam ao consumidor. Se precisarmos montar um grupo para entender as novidades e planejar um projeto específico, isso acontece bem mais rápido. Acho que essa quebra de paradigma do espaço físico é algo que a gente vai continuar vendo acontecer. Já era uma realidade em outros mercados, como o de tecnologia, e agora vai ser também no mercado criativo.
F: E como você identifica todas essas características no momento de um processo seletivo?
BG: Não é no currículo que a gente vai identificar isso, é em uma boa conversa. Passei boa parte da minha vida como diretor de criação e, depois de uma certa época, eu já não via o portfólio de ninguém. Eu queria conhecer a pessoa, e isso só é possível através de uma conversa. É nesse momento que conseguimos identificar se ela vai dividir os valores da empresa e vai ter um pensamento construtivo em cima de tudo. E não só sou eu que penso assim. Em minhas trocas com outras pessoas do mercado, a questão boa conversa também sempre se mostrou um fator importante. Isso se torna ainda mais necessário quando a gente fala do trabalho em equipe. Precisamos entender como essa pessoa vai se encaixar no time que ela vai trabalhar. Não adianta ter o melhor currículo e portfólio do mundo ou ter passado pelas melhores escolhas. Se não tiver essa capacidade de agregar, de trabalhar em grupo e de construir um pensamento crítico, não vai dar certo. Outro ponto é o fit cultural. Hoje em dia, ele é mandatório. Se você não tem, vamos procurar alguém que tenha.
F: Com base no que você falou, ser capaz de se comunicar bem parece ser uma competência em alta, certo?
BG: A comunicação é cada vez mais essencial. Durante a pandemia, a gente viu um achatamento ainda maior da hierarquia. Agora, é cada vez mais comum você estar falando com todos os níveis da empresa em uma mesma reunião. Logo, você precisa adaptar rapidamente seu discurso para quem você quer convencer. Por outro lado, a pandemia também trouxe um ponto negativo: a possibilidade de você se esconder. No digital, é muito fácil entrar em uma reunião e ficar com o microfone fechado. Precisamos que as pessoas se comuniquem, se exponham.
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Forbes: Estamos há quase dois anos dentro desse cenário de pandemia. Como isso afetou a maneira como as empresas posicionam as suas marcas?
Beto Guimarães: A pandemia fez com que os consumidores ficassem cada vez mais questionadores. Tanto que, hoje, eu considero que o consumidor brasileiro talvez seja um dos mais conscientes do mundo. A necessidade dessa postura está na nossa realidade. Um exemplo é a necessidade de economia de água por conta da crise hídrica. É uma necessidade que impacta até mesmo na nossa conta de luz. Coisas assim, que estão no nosso dia a dia, fazem com que a gente tenha mais consciência sobre o impacto do nosso consumo no planeta. As marcas mais bem posicionadas estão conseguindo entender que precisam olhar para isso. Essas são as marcas que estão querendo passar a mensagem que querem ajudar a construir nosso futuro. Elas foram muito além do seu produto ou serviço e, agora, estão tentando construir relevância. Esse posicionamento influencia até mesmo no resultado dessa empresa. Ele acaba sendo um resultado admirado, um lucro admirado. E com lucro admirado, entendemos que essa empresa está gerando um valor que vai muito além do seu produto ou serviço. Ela está conseguindo ser relevante para o futuro das próximas gerações. Após um ano e meio, a importância disso tem se intensificado ainda mais.
F: Quais são as mudanças que devem acontecer no mercado em 2022?
BG: Estamos quebrando cada vez mais barreiras e entrando na casa das pessoas. Nesse contexto, não importa o seu setor, a gente tem que tentar construir experiências que façam sentido para o consumidor final e o ambiente em que ele está. E, muito além do consumidor final, temos que começar olhando para dentro. O primeiro público de uma marca são os seus colaboradores, e essa jornada interna é muito importante. As empresas estão reinventando seus espaços, com mais inclusão e com mais diversidade. A Interbrand é um exemplo disso. Estamos contratando algumas pessoas que estão fora de São Paulo. Isso já é uma tendência forte, ainda mais quando a gente vê essa globalização do mercado de trabalho. E claro, tem a questão da diversidade. O setor de criatividade é mais centralizado do que outros, como o de tecnologia. Mas o trabalho remoto está trazendo novas possibilidades que não podem ser ignoradas, como a de trazer uma maior diversidade para o nosso grupo de pessoas. Isso é excelente. As fronteiras físicas atrapalhavam essa possibilidade, mas agora está mais fácil.
F: O que é mais relevante hoje no perfil do profissional criativo?
BG: Cada vez mais o consumidor tem o poder de comunicar uma boa experiência, e isso vale muito mais do que qualquer campanha. Então, saber como ela vai ser e ter controle sob essa experiência é um ponto super importante. Um exemplo é como o produto chega na casa do consumidor final. Muitas vezes você não tem o controle desse momento da entrega, então você precisa pensar em como vai melhorar essa experiência. É preciso ter esse olhar constante, sempre estar reavaliando a experiência que você está proporcionando para o consumidor. Vai estar em alta o profissional que sabe entender e desenhar essa experiência do começo ao fim e ter esse olhar crítico. É um profissional que consiga ser o diretor dessa jornada, que consiga ter um olhar mais amplo, identificando os pontos de tensão e propor soluções que os minimizem. Não sei nem o nome de quem vai conseguir fazer essa direção como um todo, mas isso já é uma necessidade latente.
F: Como preparar-se para desenvolver essa competência?
BG: O bom profissional não é aquele que está no escritório, é aquele que tá na rua. Você tem que ir a shows, saber quais são as novidades. No meio da tensão do dia a dia, ainda mais com a pandemia, isso ficou bem mais difícil. Mas, por outro lado, a gente não pode parar de procurar isso.
F: E por que ter esse repertório é tão importante para o profissional do setor de criatividade?
BG: A gente é bombardeado por informações a todo segundo. É importante que o profissional saiba fazer essa seleção. É como em um museu. O curador é a pessoa que faz seleção e a navegação por meio dessa seleção. Hoje, a gente também tem essa necessidade. E isso se manifesta no trabalho quando temos a necessidade de mostrar a curadoria correta de um experiência, de um produto ou de um serviço. Esse é um skill que cada vez será mais necessário.
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