Acordo do metano na COP26 tem tropeços pela frente

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Juliana Sussai/Embrapa

Setor da pecuária não deve analisar apenas a emissão de metano, mas sim um balanço total do impacto da atividade

O governo brasileiro se apressou e acabou assinando, sem consultar o setor, o acordo do metano na COP26, que se compromete a cortar em 30% as emissões de metano até 2030. Esse acordo passou por cima do setor e, na minha opinião, foi um erro. O que acontece é que o Brasil tem os maiores rebanhos de pecuária do mundo, por isso, ele entra no centro dessa discussão como um pivô, como uma peça chave da solução do problema. Entretanto, o que se acordou, foi em torno de emissões de metano. E todo mundo que estudou química básica sabe que Lavoisier ensinou que nada se cria, tudo se transforma. O gás metano tem um ciclo. Ele é emitido pelo animal, fica na atmosfera entre 10 a 12 anos e depois se quebra em água e gás carbônico. Este, de maneira grosseira, serve de alimento para as plantas; dá a base para que ela possa efetuar o seu crescimento. Portanto, o gás carbônico é parte fundamental na construção de pastagens bem manejadas, que a gente vê crescer muito no Brasil.

Você pode argumentar várias coisas, dentre elas, falar que 12 anos é muita coisa para o gás ficar na atmosfera. Bom, o CO2 emitido pelos carros fica mais de 100 anos.  Então, 12 anos não é nada em termos de história do planeta Terra, é um período muito curto de tempo para se considerar um ciclo gasoso. E, dentro da pecuária, 10 ou 12 anos não é lá grandes coisas. A evolução da pecuária ocorre, mais ou menos, nesse intervalo de tempo mesmo.

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Algo secundário que você pode argumentar é que está aumentando as pastagens bem manejadas, ou seja, estamos avançando sobre a área de floresta. Isso não é verdade. Pastagens bem manejadas encolhem a área necessária para a produção, por quê? Hoje, mais de 50% das áreas de pastagens estão degradadas, então elas têm uma baixa capacidade de reabsorção de CO2.

Entretanto, como os preços reais da pecuária caem com o tempo, a única saída do produtor é se tornar mais produtivo para conseguir burlar essa quebra de valor real, o valor nominal corrigido pelos custos de produção, principalmente, mas algumas vezes pode ser corrigido com base em IPCA, IPCM etc. Isso significa que o preço de produção sobe mais do que a arroba do boi gordo. Então, o produtor vai perdendo margem ao longo do caminho, e a única saída é aumentar a produtividade.

O que isso significa? Que ele deve colocar mais tecnologia na fazenda, tratar melhor as pastagens e produzir mais em uma nova área. E isso tem feito com que os menos eficientes deixem a atividade e liberem essas áreas para a regeneração de florestas, por exemplo, para outras culturas. E isso tem acumulado as pastagens em um tamanho menor dentro do Brasil. Tanto que vemos gráficos que mostram a evolução da atividade no Brasil, que cresce, e a área de pastagem, que cai. Então, isso significa que áreas menores com pastagens mais produtivas reabsorvem esse CO2 que é resultado da quebra do metano.

 

Colocando isso em linha, ou seja, nós temos emissões de metano pelos animais e temos a reabsorção do CO2 que é produto da quebra do metano pelas pastagens bem administradas e manejadas. Isso significa que nós temos que considerar um balanço, não somente uma emissão. A emissão pode trazer resultados errôneos para nós, ou nos levar a tomar medidas que prejudiquem, principalmente, os pequenos e médios produtores, que é exatamente aquele cara que não consegue mudar o rumo de sua operação de maneira muito rápida. Ele tem mais dificuldade em absorver tecnologias que ainda são novas, porque elas são caras e pouco acessíveis.

Para vocês terem uma ideia, a população rural que vive de médias e pequenas propriedades está estimada em cerca de 14 ou 17 milhões de pessoas. São mais ou menos 3 milhões de propriedades. Você pode multiplicar pelo número aproximado de quantas pessoas vivem dessas propriedades e entender de onde vem o número. Então, é uma tragédia social penalizar esse pequeno e médio produtor por ele não conseguir acompanhar o ritmo da emissão. O que deveríamos estar considerando é o balanço, o que se emite versus o que se reabsorve.

Dentro da consideração do balanço, nós já estamos na linha da melhoria. Porque cada vez mais conseguimos aplicar a tecnologia na pecuária e isso traz uma capacidade maior dessas pastagens de reabsorver esse produto do metano, que é o CO2. Tenham em mente, precisamos começar a falar de balanço para poder tornar mais inclusiva essa discussão acima do ESG.

Lygia Pimentel, CEO da AgriFatto, é médica veterinária, economista e consultora para o mercado de commodities. Desde 2007 atua no setor do agronegócio ocupando cargos como analista de mercado na Scot Consultoria, gerente de operação de commodities na XP Investimentos e chefe de análise de mercado de gado de corte na INTL FCStone.

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