Maternagem define a prática de um trabalho voluntário pouco difundido, embora toda mulher saiba o que ela significa. E o que tem a ver com o agro? Bem, antes é preciso explicar a maternagem: o exercício diário do vínculo afetivo para atender às necessidades físicas e psíquicas de uma criança, desde o berço, visando o seu desenvolvimento emocional saudável. Diferentemente da maternidade, que é um estado biológico ou adotivo. O agro entra na história justamente aqui: a médica veterinária Fernanda Hoe, 41 anos, que em setembro se tornou a primeira CEO da subsidiária da norte-americana Elanco Saúde Animal Brasil, é uma adepta da maternagem.
Fernanda é, também, a primeira mulher no Brasil a ocupar o cargo de CEO em uma farmacêutica da área da saúde animal. E mais: é a primeira na América Latina. “Quando a gente tem clareza do que quer realmente para a nossa vida, e do propósito, acho que fazemos a coisa acontecer e encaixa tudo que precisa ser feitsquo na agenda do dia. Acredito realmente nisso”, diz ela, que está na Lista Forbes 100 Mulheres Poderosas do Agro.
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Tempo para Fernanda, que é mestre em qualidade do leite pela Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, significa dar conta de uma missão: o trabalho voluntário com crianças em abrigos, vindo daí sua experiência com a maternagem. “Pude acolher uma bebezinha em casa por quase dois anos. Ela morou comigo desde os quatro meses de idade até sair andando, correndo”, afirma. “Foi um período de maternagem no dia a dia, conciliando com as questões profissionais. Voluntariado nesta área demanda bastante tempo e dedicação.” O Brasil tem cerca de 30.000 crianças acolhidas em unidades como abrigos, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
Não por acaso a Elanco, que tem 9.800 funcionários no mundo, dos quais cerca de 300 estão no Brasil, e poderia focar na formação de qualquer outro profissional para o cargo, escolheu justamente Fernanda e seus múltiplos afazeres que vão além dos compromissos da profissão. Ela desembarcou na empresa em 2013, depois de passar oito anos na Pfizer Saúde Animal (hoje Zoetis). Começou como representante de campo, ou seja, viajar pelo Brasil visitando fazendas. Daí, foi um pulo para a gerência técnica e depois gerência de marketing. Foram oito anos, período em que Fernanda também arrumou um tempinho para um MBA na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, para refinar seus conhecimentos sobre marketing.
O convite das lideranças da Elanco, para que ela se preparasse a uma possível posição de CEO, aconteceu há cerca de dois anos. A farmacêutica animal, presente em 90 países, é dona de 125 marcas de produtos. Fernanda passou por áreas como lançamento de produtos, gerenciamento de marketing para América Latina e inovação, mas diz que, de fato, começou a entender a empresa profundamente quando foi deslocada para a área de pesquisa e desenvolvimento, entre os anos de 2016 e 2018.
“Acho que aí passei a entender a empresa melhor, como um todo. Ampliou muito a minha visão, porque consegui me envolver por completo com discussões de produtos que vão ser lançados daqui 10 ou 15 anos”, diz ela. “Fazer o exercício mental de pensar muito na frente e também de interagir com outras áreas, por exemplo de assuntos regulatórios e algumas outras que eu não interagia tanto; a parte de manufatura, formulação, embalagem e logística. Foi um momento de muito aprendizado.”
A atual posição da executiva mostra o resultado dessa aprendizagem, que tem muita conexão do que é exercer a maternagem: criação de vínculos profundos e de envolvimento absoluto. Em tempo: formada na Unesp de Botucatu (SP), desde 2005 Fernanda é mestre pela Universidade de Wisconsin, terra chamada de “dairy land”. Ela diz que começou a sua carreira pensando em construir algo sólido no campo do marketing. “Era uma posição que eu queria ocupar e fui me desenvolvendo para isso, adquirindo as competências. A posição de diretora geral não era algo que estava no meu plano de carreira desde o início”, afirma. “
Na empresa houve comemoração quando o nome de Fernanda foi anunciado, embora não seja novidade na empresa a política estabelecida de incentivo às carreiras femininas. “É claro que as mulheres são muito impactadas, mas também recebi de homens falando que esse momento é importante. Porque a Elanco já vem numa guinada de diversidade e inclusão e mais da metade da nossa força de trabalho no Brasil é feminina”, afirma. “Recebi muitas mensagens reconhecendo o trabalho da Elanco nessa questão da diversidade da inclusão. Porque é bom para a equipe ver que uma mulher chegou nessa posição e também é alguém que já estava na empresa há 8 anos, mostrando essa trajetória de crescimento e desenvolvimento independente de gênero.”
Para a executiva, há espaço para perfis de profissionais que tenham uma uma série de competências, que deve ser técnica, mas também outras, como agilidade de aprendizado, flexibilidade e resiliência. “Hoje em dia, o ambiente corporativo é muito dinâmico, ele é bem desafiador. Pessoas que conseguem aprender rápido, serem flexíveis para entender os momentos de mudança da empresa e ter essa resiliência para resistir aos momentos de abraçar as mudanças.”
Nesse sentido, a executiva pontua o que é para ela a medicina veterinária com olhos no futuro, e como essa indústria farmacêutica, que é um braço da produção no campo, deve cuidar dos animais. E mais uma vez embala seu olhar em vínculos e envolvimento. Fernanda entende o uso de medicamentos pela área da profilaxia, da medicina preventiva. “E aí vai para a questão de vacinas, mas também como melhorar a imunidade do animal com técnicas alternativas. Além disso, a nutrição também pode ajudar a prevenir muitas doenças. Essa é uma linha forte de trabalho: profilaxia e tratamentos necessários com produtos de ação mais duradoura para não ter que administrar tantas doses, por exemplo, administrações diárias.”
Ela fala da área de pets, como um cachorro com dor de ouvido, que é um dos grandes problemas de qualquer tutor, ou na área de animais de produção, para que possam ser manejados com menor frequência. Para Fernanda, está aí o novo papel de profissionais como ela, que escolheram a medicina veterinária.
“O veterinário já vem mudando muito de perfil. Na época que eu me formei era muito comum o veterinário ‘apaga incêndio’, que vai na fazenda para urgências, um animal doente ou uma vaca com problema de parto. Hoje, ele é um consultor para ajudar o produtor a melhorar o protocolo sanitário da fazenda, melhorar as condições de manejo, de meio ambiente e de bem estar animal”, afirma. Para quem mira as relações pelos vínculos da maternagem, ela vai embrulhando empresa, trabalho voluntário e impactos na sociedade em um mesmo pacote: “tive muitos conselhos bons na minha vida, mas levo para mim a questão de ser transparente e estar presente de corpo e alma, independentemente de cenários.”
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