Lá na década de 1960, meu pai, em sociedade com um tio, montou uma oficina mecânica em Lages, na Serra Catarinense. Logo em seguida, eles passaram a ser os concessionários da marca Simca, uma montadora de automóveis franco-italiana criada pela Fiat na França em 1934 e incorporada pela Chrysler no início dos anos 1970.
Naquela época, não existiam caminhões cegonheiros; os carros novos vinham rodando de São Paulo. Então meu pai, meu tio, minha tia e minha mãe iam até São Paulo de ônibus e de lá cada um voltava dirigindo um Simca até Lages. Elas eram exceções, já que naquela época poucas mulheres conduziam veículos. E mesmo contribuindo com a empresa, elas jamais entraram na oficina, pois aquele era um território eminentemente masculino.
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Em 1972, meu pai faleceu em um acidente de carro, e minha mãe, com 27 anos à época, ficou com três filhos para cuidar. Ela nunca havia entrado em um banco e não tinha nenhum conhecimento sobre finanças. E nisso ela não era uma exceção: dinheiro não era assunto para mulheres.
Minha mãe ficava tão desconfortável em entrar em um banco que me levava sempre como companhia. Um menino de 11 anos servia de escudo para uma mulher naquele ambiente masculino. Com essa experiência precoce, entrei no mundo das finanças. E no mercado financeiro, vivenciei um mundo extremamente machista, em que as poucas mulheres que ali trabalhavam precisavam ter enorme resiliência para suportar o ambiente tóxico.
Na geração da minha mãe, na minha e – em lugares mais conservadores – até mesmo na geração que me sucedeu, a maioria das mulheres passa longe das finanças e mais longe ainda do controle dos investimentos. Essa lacuna agora cobra um preço elevado para muitas mulheres que, diante da morte do companheiro ou de uma separação, precisaram assumir o controle das finanças, tarefa para a qual não foram treinadas. O sofrimento costuma ser grande e algumas vezes os custos são imensos.
Mulheres vivem mais que os homens, portanto, precisam reservar mais dinheiro para sua aposentadoria. Para piorar mais a situação, muitas das que já passaram dos 50 anos dedicaram grande parte das suas vidas para as atividades ligadas ao lar; poucas contribuíram com a previdência pública e privada de forma a ter boa renda para suas aposentadorias.
Mesmo entre aquelas privilegiadas que conseguiram acumular bons patrimônios na vida conjugal, há quem enfrente dificuldades. Como receberam pouca educação financeira e foram ensinadas a pensar que dinheiro e investimentos não eram assuntos para elas, acabam vítimas de pessoas com poucos escrúpulos que ainda sobrevivem no mercado financeiro.
Já vi muitas mulheres que ganham várias vezes mais que seus companheiros, mas que delegam a eles a gestão dos investimentos. Isso é péssimo, pois se um dia a união acaba aquele que está despreparado tende a sofrer muito. Assim como as mulheres da geração da minha mãe que passaram a dirigir muito antes de poder entrar em uma oficina, muitas hoje ganham o dinheiro, mas ainda não se julgam preparadas para cuidar dos investimentos. Isso precisa acabar.
O que aconselho é que elas tomem muito cuidado com corretoras e bancos que utilizam modelos de remuneração baseados em comissão sobre vendas. Todas as pessoas que trabalham precisam ser remuneradas. Quem não sabe como está pagando por um serviço pode estar pagando caro e da pior forma possível.
Estudar sobre finanças e mercado financeiro, além de cercar-se de profissionais e empresas confiáveis, são atitudes que podem ajudar muito nessa tarefa. Conheço mulheres que precisaram tardiamente aprender a cuidar do seu dinheiro e, de forma muito rápida, passaram a ter grande conhecimento do mercado. Com vontade e dedicação, todos, mulheres e homens, podem entender o mundo das finanças.
Para minhas jovens alunas de finanças pessoais, essas histórias mais parecem pré-história. Elas já aprenderam que o mercado financeiro também lhes pertence. Nos bancos e corretoras, mulheres e homens trabalham lado a lado. Infelizmente, ainda existem resquícios de um passado machista não totalmente superado, mas o avanço das mulheres nesse e em outros campos é rápido e inexorável.
Às mulheres jovens, sempre recomendo que jamais deleguem o gerenciamento do seu dinheiro a seus parceiros ou parceiras. E se você vive ao lado de uma mulher que você ama, não aceite assumir o controle das finanças, pois ninguém é eterno. Os casais devem sempre compartilhar as decisões financeiras e de investimentos.
Se você é pai ou mãe de uma menina, entenda que é preciso dar a ela a mesma educação financeira que é dada a um menino. É necessário falar de dinheiro em família e, definitivamente, precisamos deixar no passado a ideia de que gerenciar o dinheiro não é coisa de mulher.
Jurandir Sell Macedo Jr é doutor em finanças comportamentais, professor universitário e, desde 2003, ministra na Universidade Federal de Santa Catarina a primeira disciplina de finanças pessoais do Brasil. É autor de inúmeros livros sobre educação financeira e tem pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Université Libre de Bruxelles. Escreve sobre Finanças 50+ quinzenalmente, às quintas-feiras. Instagram: @jurandirsell. E-mail: jurandir@edufinanceira.org.br
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